terça-feira, 31 de julho de 2012


HOSPITAL TEM QUE DAR LUCRO

Hospital tem que dar lucro e, para isso, conta com doenças a cada dia mais especializadas, com pacientes dispostos a enfrentar a magia do hospital e, acima de tudo, com um aliado efetivo, o medo da morte. Tem que dar lucro para suprir a irracionalidade de grande parte dos “serviços” prestados por um exército descoordenado.
A tecnologia tem estimulado os investidores de clínicas, laboratórios e hospitais a “apostarem” nesses negócios. Chips, válvulas, safenas, marca-passos, cateteres, implantes, órgãos artificiais, ultrassonografias, tomografias, aparelhos de alta precisão, e especialistas em leitura e interpretação desses novos hieróglifos se juntam solidariamente para atrair, sugestionar e convencer qualquer incauto a se submeter a esse poder mágico da cura.
A operação desse armamento não exige mais que uma preparação técnica e mecânica para oprimir botões, observar as luzes azuis, vermelhas ou amarelas, agulhas que se movem de um lado para outro num relógio numerado. A automação dos aparelhos dispensa o conhecimento que o operador possa ter da engrenagem escondida. A um dos operadores perguntei por que se acendia uma luz vermelha. A resposta: “é automático”. Este parco, mas suficiente conhecimento determina também o salário do operador.
Um hospital, todos sabem, é movido por uma engrenagem complexa construída, hoje, de partes terceirizadas. Vai da ultrassonografia ao estacionamento de carros. O médico é pago a parte. Os serviços hospitalares, isto é a hotelaria, copa e cozinha, idem. O anestesista, idem. O fisioterapeuta, idem. A UTI do hospital é um serviço separado e com conta separada. O exército de faxineiras encarregadas de limpeza, coleta de lixo, garçonetes vestem uniformes distintos e são administradas por empresas distintas. O serviço de segurança, câmeras espalhadas em todos os andares e elevadores, agentes uniformizados com seus celulares e rádios, dia e noite circulando pelos corredores ou sentados nas portas de acesso pertencem a empresas de vigilância. Cada uma dessas empresas tem administração própria, com escalas, organização e treinamento militar “adaptado” a um hospital. Um paciente tem que se submeter à disciplina de caserna. Parece haver pouca coordenação entre todas essas empresas terceirizadas. Cada uma age em faixa própria.
Um diretor de uma rede hospitalar entrevistado pelo CB, de Brasília, ao se referir à nova administração que seria implantada no H. Santa Luzia, adiantou que o novo estabelecimento de saúde que será levantado na área hospitalar contará com estacionamento subterrâneo. Isto quer dizer que uma nova empresa terceirizada tomará conta da garagem, com seus computadores, rádios, celulares, guardas e guichês de pagamento.
Não há dúvida que um hospital é importante gerador de postos de trabalho graças à multiplicidade de doenças novas, formas inéditas de tratá-las e pacientes dispostos a não morrerem antes do tempo.
As diferenças aparecem nos salários que vão do mínimo legal à remuneração do cirurgião de 28 SM, além das despesas hospitalares.
A respeito destas despesas, qualquer paciente ou o responsável por ele são mais impotentes do que um preso num calabouço da Idade Média. Como contestar o que vem descrito como MATERIAIS DESCARTÁVEIS (um quarto do valor total), ou OPME (outro quarto do valor total), ou INSTRUMENTOS ESPECIAIS, ou SALAS DE CIRURGIA. Conclusão do acerto: ou o responsável paga ou vai para a lista dos devedores contumazes.
Não satisfeito com o atendimento e serviços prestados por esse exército de funcionários, muitos humildes e alguns prepotentes, enviei à direção do hospital por intermédio do Serviço de Atenção ao Cliente a mensagem que segue.

Prezados senhores,

Ao mesmo tempo que agradeço o esforço, o conhecimento e a atenção dos médicos, enfermeiras, seguranças, atendentes, funcionários da limpeza e demais profissionais do H. Santa Luzia, aproveito a oportunidade para sugerir algumas medidas de melhora no comportamento e atitudes que podem facilitar os momentos angustiantes dos pacientes e seus acompanhantes.

1. Minha esposa, Hilkka Mäki Giovenardi, foi internada no Hospital Santa Luzia, pela primeira vez, no dia 23 de junho/2012, com entrada pela emergência, sob os cuidados do Dr. Paulo de Andrade Mello. Submetida à cirurgia de implantação de válvula para drenagem de liquor encefálico, no dia 24 de junho, permaneceu na UTI do dia 24 a 25 de junho, ocupando, depois, o quarto 308, no dia 25, tendo alta no dia 27 de junho.
Nesse período, notei alguns comportamentos nada recomendáveis num hospital. Lixeiras com distintos dejetos, plásticos, bolsas de soro, curativos, sonda urinária com conteúdo na bolsa, copos. Demora na troca do paciente e do banho diário, atrapalhando a hora das refeições e da fisioterapia.
À noite, na hora da medicação e verificação de glicemia e temperatura, a enfermeira abre subitamente a porta, acende as luzes de maneira intempestiva, sem a natural delicadeza que caracteriza uma enfermeira de hospital.
O sistema de cobrança dos diferentes atores, escassas vinte e quatro horas do serviço prestado, é desagradável. Telefonam ao responsável pela senhora Hilkka: "estou telefonando, porque está em aberto o débito da anestesia, ou da UTI".
Quando se processou a internação, ficaram nos registros todos os dados do paciente e do responsável, seu endereço e telefones, sob os cuidados de médicos provectos.
Como seria diferente se o anestesista se desse a conhecer, falasse com o responsável, acertasse a soma que vai cobrar pelo serviço e determinasse um prazo de cinco dias para o devedor visitá-lo e remunerá-lo. E assim, com todos os demais.
Responsabilizei-me como PARTICULAR, sem depender de convênios de saúde que teriam demorado 40 dias para pagar o serviço. Fui instado a saldar o valor a vista. O HSL não aceita cheque. Cartão de crédito ou dinheiro. No século XXI.
Devo elogiar a Tesouraria do Hospital que, embora não tenha estimado o valor das despesas, pelo menos aguardou 5 dias para me convidar a discutir a forma de pagamento, realizado a vista, mediante transferência bancária de R$ 52.000.
Poderia, creio, ter me alertado, o hospital, sobre o preço da válvula de hidrocefalia, cujo valor o próprio Dr. Mello não sabia (ao redor de R$ 40.000).
2. Não tendo funcionado a contento o sistema de drenagem, causando sérias dificuldades motoras, de fala e audição, minha esposa voltou a ser internada no dia 14 de julho, sofrendo, nesse mesmo dia, nova cirurgia, permanecendo na UTI nos dias 15 e 16, tendo alta, dessa unidade, às 15 horas do dia 16, ocupando, em seguida, o quarto 226, onde permaneceu até dia 18, com alta às 18h.
Antes da internação, fui convidado à Tesouraria para um pagamento antecipado de R$ 15.000. Procedimento distinto do anterior.
O atendimento, nesse período, foi pior do que o anterior. Tudo era mais lento. O vaso do banheiro estava entupido, apesar do serviço de limpeza ter preparado o quarto. As sessões de fisioterapia não foram totalmente realizadas, segundo orientação do Dr. Mello. Curativos foram simplesmente jogados ao chão, ato que levei ao conhecimento da enfermeira-chefe, convidando-a a ir constatar o fato, para que não ficasse apenas na palavra. Fala-se em infecção hospitalar........
Imagino que os atendentes, de qualquer função, recebem um treinamento técnico, prático do que fazer. Falte, talvez, o COMO fazer.
Não quero generalizar esse atendimento frio, mecânico, profissional que equivocadamente é feito por algumas pessoas. Houve atendentes que souberam humanizar seus gestos, suas atitudes. Afinal, um hospital é um refúgio em busca de saúde. A impressão que tive, em certos momentos, é que os atendentes eram mais doentes que os próprios pacientes.
Espero que meus comentários não ofendam genericamente os profissionais que nos atenderam durante esses 10 dias, mas sirvam para que o H. Santa Luzia, um dos centros de saúde mais bem equipados de Brasília, aprimore seus serviços dando um toque de humanismo e solidariedade aos que buscam nele o alívio de seus males.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

AS ÁRVORES FALAM



A Editora Movimento, de Porto Alegre, daqui a poucas semanas, publicará meu novo livro AS ÁRVORES FALAM. Escutá-las é uma virtude que nobilita a vida de todos os seres que habitam a natureza. As mensagens das árvores e do livro podem ser lidas à sombra delas, num banco do parque.
A linguagem das árvores não é apenas uma expressão poética ou simbólica para uso literário. É muito mais que uma metáfora. É uma linguagem real. A interpretação desse idioma natural depende da leitura que os seres vivos fazem ao olhar para elas e ouvi-las.
Os seres vegetarianos reconhecem nelas o alimento para sua sobrevivência e reprodução. A transparência da linguagem vegetal, sua incapacidade de mentir ou enganar é também sua fragilidade indefesa.
Pode-se ver na árvore o laboratório incansável de produção de oxigênio limpo ao mesmo tempo que respiramos o óxido de carbono nas ruas. Pode-se ler na transparente linguagem das árvores sua admirável capacidade de deter metros cúbicos de água em suas raízes, troncos, galhos e folhas. Pode-se ver, na majestade de sua figura, a madeira para construir casas, mesas, cadeiras, camas, armários, estantes, guarda-roupas ou um simples bastão para apoiar os passos cambaleantes do idoso.
Há alguns anos, um formidável incêndio de que foi vítima a vegetação de meu Sítio das Neves, mostrou-me como é cruel, impiedoso e insolente o analfabetismo e a ignorância dos incendiários. Não só os gritos das árvores, das flores e das gramíneas pediam socorro sob a tortura das chamas. Centenas de pássaros e animais, milhares de insetos apavorados deixavam aturdidos seus ninhos, suas casas, suas tocas. Era um lamento desesperado da natureza. Negrume, cinzas e cadáveres espalharam-se pela ondulação deserta do cerrado mudo. A queimada arrasadora silenciou as árvores e tudo o que elas protegiam.
A derrubada de florestas é como a queima criminosa de uma biblioteca. Tudo o que estava escrito nesses grossos volumes, tudo o que a natureza levou milhões de anos para escrever desaparece. Ignorar as letras e a linguagem das árvores é a mais grave doença mental dos incendiários gananciosos ou simplesmente ignaros.

terça-feira, 10 de julho de 2012

VELHA CLASSE MÉDIA




Graças ao aperfeiçoamento das estatísticas promovido pelo IBGE, todos os movimentos sociais e os suspiros mentais dos cidadãos se transformaram em percentuais. Esse órgão destrinchou a sociedade, a recortou em fatias e a distribuiu em faixas de renda, ironicamente denominadas classes, que vão de A a Z para não deixar ninguém fora de sua cadeira.
Pertenço, segundo minha própria análise psicoanalítica, à velha classe média dos anos 60/70, de espírito e linguagem revolucionária na mira das reformas estruturais. Tive o privilégio de participar com a multidão anônima, pelas ruas de Paris, durante os “événements de Mai/68”. Víamos no bojo da contestação peremptória uma nova civilização prestes a nascer das cinzas e dos escombros de uma sociedade cultural amarrada ao autoritarismo econômico, político, educacional, moral e social.
Queríamos libertar a sociedade presa à mão de banqueiros, de latifundiários, de países imperialistas. Se Cuba pôde, todos os periféricos poderiam declarar-se independentes e começar uma nova história. Até uma fração da hierarquia católica pôs em seus sermões a teologia da libertação comandada por um Deus aliado às massas escravizadas e miseráveis.
Educação gratuita para todos, terra para quem nela trabalha, participação no lucro das empresas eram pilares que justificavam a organização popular sem medo de pegar em armas. Nossos líderes foram mortos ou envelheceram. Nossa organização popular, desbaratada ou cooptada pelos vencedores.
A velha classe média, com seu espírito e linguagem revolucionária, voltou à solidez de sua casa, aos bares e restaurantes de seus bairros, a desfrutar de viagens pela Europa, América do Norte e China. Renovou-se e aderiu às inovações tecnológicas da comunicação e do transporte. Espelhou-se na irremovível classe A, lançou mão de seus privilégios culturais, reorganizou sua fortuna, acomodou seus preconceitos religiosos, raciais e sexuais, voltou-se para a ecologia e prega a sustentabilidade do crescimento econômico.
Confesso que me perdi dessa nova velha classe média e tampouco satisfaço aos requisitos da novíssima classe média, extraída a fórceps do Brasil profundo e compelida por um imperativo categórico da política generosa, da economia saltitante e do marketing alegre a consumir carros e eletrodomésticos, a financiar casas populares ou apartamentos de 40m2, sob a ordem indiscutível da inclusão digital, longe de livrarias, cinemas e teatros.
Quase de repente fiquei perdido na rua. Não reconheço o idioma da nova velha classe média, nem entendo os balbucios da novíssima classe média acometida de indisfarçável síndrome de Down.
Sou daquela obsoleta classe média que comprava objetos para durarem dezenas de anos. Que não mudava os móveis da sala. Que não derrubava paredes da casa grande para modernizá-la. Que vivia duas ou três gerações com a mesma louça de cozinha. Que usava ternos e sobretudos dos avós que os passavam de pai para filho. Que usa lençóis comprados há mais de 40 anos e ainda resistem com galhardia aos destemidos embates da noite.
Apreciaria compreender o que aconteceu com meus contemporâneos da velha classe média e por quanto trocaram o espírito e a linguagem revolucionária que modificaria o mundo. E suspeito que morra antes de assimilar a novíssima classe média endividada, semianalfabeta, equipada de câmeras digitais, tablets e iPads, lotando aviões, iluminando a sala do Teatro Nacional em noite de ópera.
Aquele maravilhoso mundo novo sonhado, diferente e possível, aparece-me dissimulado, à noite, quando saio a ver estrelas.

sábado, 7 de julho de 2012

PROJETO OLHO D'ÁGUA



Aos interessados em conhecer o trabalho de preservação, captação e retenção de águas pluviais no Sítio das Neves, sob minha responsabilidade, ofereço um resumo do projeto.


PROJETO OLHO D’ÁGUA

INTRODUÇÃO

O projeto Olho d’Água começou em 1980, no Sitio das Neves (DF), com a finalidade de proteger uma área de 70 hectares do bioma Cerrado. Localiza-se à margem esquerda da Rodovia BR 060, direção Brasília/Goiânia, na altura do Km 26, no perímetro do Distrito Federal. Integra a bacia hidrográfica do Rio Santo Antônio do Descoberto e a micro bacia do Ribeirão das Lajes. A propriedade foi adquirida em 1973.
A área total do DF é de 582.200 hectares (5.822 km2). Segundo o plano de ocupação regional do DF, 80% (450.000 ha) seriam reservados às atividades rurais, reflorestamento, preservação de nascentes e cursos de água, e 20% (132.000 ha) à urbanização (serviços, habitação, educação, comércio, lazer, rodovias).
Atualmente, segundo dados oficiais, a urbanização e áreas agregadas absorvem 60% (348.000 ha), restando para a rural, 40% (234.200 ha), com tendência galopante a se reduzir nos próximos anos. Parques, APAs e APPs não foram considerados pelo IBGE como área rural, fato que distorce a informação sobre área urbana e rural.
Essa inversão gradativa do uso do solo desencadeou um processo de desertificação do Cerrado, com eliminação de nascentes, desmatamento indiscriminado, perturbação dos aquíferos subterrâneos por meio de poços tubulares, impermeabilização de grandes áreas, causando assoreamento do Lago Paranoá, de rios e córregos na imensa área adjacente ao Distrito Federal.

OBJETIVOS DO PROJETO

A proteção de nascentes mediante vegetação nativa garante retenção suficiente e fluxo permanente da água para a produção agrícola e a qualidade ambiental.
Sob o aspecto ecológico e ambiental, o Projeto Olho d’Água propõe-se, de forma continuada, a preservar área de 70 hectares de Cerrado (700 mil metros2), denominada Sítio das Neves, mantendo suas características originais de fauna e flora. Para garantir a continuidade do projeto, foi submetido ao IBRAM um pedido de Reserva Legal e de Área de Proteção Permanente de todo o Sítio.
A preservação ecológica e ambiental tem, portanto, caráter contínuo a fim de proteger a área de ocupações inadequadas e prejudiciais à natureza, seguindo orientações técnicas e científicas sobre a fenomenologia climática.
A preservação da área mencionada se estende por três décadas, com práticas de captação, contenção e detenção das águas pluviais, por meio de uma centena de barragens simples de pedra ou barragens-castor (galhos secos e terra de cupim), de tamanho adequado à declividade do terreno e ao volume, peso e velocidade da água. O reflorestamento vegetal contínuo e a recuperação da biodiversidade são resultados que podem ser comprovados.
As matas ciliares dos córregos perenes que nascem na propriedade, Córrego Capão Azul, Córrego da Onça e as das nascentes intermitentes se ampliaram geometricamente. As matas de galeria dos vários cursos de água se ligaram umas às outras. As águas pluviais contidas e detidas nas barragens, sombreadas pelas matas de galeria, permanecem durante todo o período seco. A umidade mantida nessas áreas modifica lentamente o ambiente e fortalece as nascentes perenes e estimula as intermitentes.
Conseguiu-se, ao longo de mais de três décadas, aumento dos índices de umidade com o armazenamento de água nos quatro aquíferos:
− aquífero radicular: volume de água contida nas raízes das árvores, plantas e gramíneas, graças ao sombreamento da vegetação.
− aquífero vegetal: volume de água contida nos troncos, galhos e folhas das árvores, em consequência da captação de umidade do solo pelas raízes.
− aquífero superficial: volume de água que brota das nascentes e forma córregos e rios, alimentado pelas barragens de contenção das águas da chuva.
− aquífero subterrâneo: volume de água estocada entre as camadas de rocha, preservado pela recarga das precipitações que se infiltram no solo e percolam até os mares interiores, graças ao repouso das águas nos lagos temporários resultantes das barragens.

CAPTAÇÃO DE ÁGUAS PLUVIAIS

A captação é feita por meio de barragens de pedra e barragens castor. As barragens de pedra, em arco romano deitado. Nas áreas onde as pedras são escassas, usam-se, em camadas superpostas, céspedes, terra de cupim vivo, madeiras secas, céspedes e novamente terra de cupim. Em ambos tipos de barragens as águas filtram entre as pedras e madeiras e parte delas ficam empoçadas permitindo a infiltração e recarga dos aquíferos.
As barragens podem ter finalidades distintas. Umas são para correção de erosões centenárias, outras, de prevenção da erosão. Todas, porém, se destinam a captar, conter e deter as águas da chuva para prover de maior umidade o solo, fortalecer as nascentes, garantir a recarga dos aquíferos e manter a vegetação nativa do cerrado.
No âmbito da propriedade, a captação e detenção das águas da chuva são efetivadas por uma rede sistêmica de pequenas barragens, eficientes e de baixo custo, que permitem a comunicação subterrânea das águas. Nas grotas e canais de escoamento, detém-se mais da metade (400 milhões de litros) do volume de água das chuvas do período, estimado em mais de 800 milhões de litros, considerando um índice médio de precipitação de 1.250 mm/ano. É um processo fácil de multiplicar em todas as propriedades rurais.
A captação de água no Sítio das Neves atende a todas as necessidades de consumo humano, de criação de pequenos animais e produção de legumes e frutas.

OUTORGA DE USO DA ÁGUA

O volume diário de uso da água no Sítio das Neves foi determinado por um ato administrativo de outorga pela ADASA. Segundo cálculos técnicos, a vazão diária, no período de estiagem, da nascente de captação para uso diário é de, aproximadamente, 30 mil litros de água. O consumo autorizado monta a 2.000 litros diários. A captação de água é feita por gravidade num percurso de 750 metros.
Graças aos resultados obtidos até o momento, a ADASA concedeu ao Sítio das Neves, em ato público, o PRÊMIO GUARDIÃO DA ÁGUA, no Dia Mundial da Água, em 22 de março de 2010. Está em curso, perante o Instituto Brasília Ambiental (Ibram), como acima mencionado, solicitação de Reserva Legal e determinação de Áreas de Preservação Permanente (APP).
Sob o aspecto educativo, por meio de parcerias com ong’s ambientalistas, palestras em colégios e universidades, publicações na mídia e visitas guiadas, propõe-se despertar nas crianças e pesquisadores o apreço pela natureza e a possível reprodução do processo de preservação em curso por outros proprietários de terra, agricultores ou não.
O projeto Olho d’água está aberto a pesquisadores de universidades e institutos ou centros de pesquisa ambiental, alunos e estudantes, funcionários e técnicos de secretarias de agricultura com funções de extensão e educação rural.

EXTENSÃO E MORFOLOGIA

A área do Sítio das Neves tem uma extensão de 70 hectares, com um desnível de oitenta metros entre o ponto mais alto, rodovia BR 060, e o mais baixo, desembocadura dos córregos da Onça e Capão Azul no Ribeirão das Lajes.
O acesso à sede da propriedade é feito por estrada de chão de 1.100 metros de extensão, a contar da porteira de entrada. A conservação da via é feita manualmente.
As terras da propriedade são banhadas por três cursos permanentes de água. Ao sul, pelo Ribeirão das Lajes, integrado à bacia do Rio Santo Antônio do Descoberto; a Nordeste, pelo Córrego Capão Azul e, a Oeste, pelo Córrego da Onça.
Os córregos que nascem nas terras do Sítio das Neves têm uma extensão de aproximadamente 1.200 metros e desembocam no Ribeirão das Lajes.

OBRAS DE PRESERVAÇÃO

Todas as obras e atividades de preservação ambiental se realizam de forma manual, em caráter contínuo, segundo as estações do ano, utilizando material local. Exceção feita da classificação de plantas e aves, executada por profissionais em colaboração com o Ibram, UnB e ONGs.
Até o presente momento, os custos da preservação ambiental, incluindo a construção de barragens, de aceiros e proteção das nascentes, do transporte de material, do combustível e placas de avisos são sufragados pelo proprietário.
As principais despesas se referem à construção e manutenção de barragens, classificação de plantas, aves e animais selvagens, comunicação e combustível.

CARACTERÍSTICAS GERAIS do SÍTIO DAS NEVES

ÁGUA
        A precipitação anual (180 dias) é de 1250 mm ou litros/m2//ano,  média diária de 7 l/m2.. Multiplicada por 700.000 m2 obtém-se um total de 4.900.000 l/dia, o que perfaz um volume de 875 milhões de litros (875 mil m3) no período chuvoso sobre o Sítio.

FLUXOS DE ÁGUA:
        Ribeirão das Lajes (Sul), Córrego Capão Azul (Nordeste), Córrego da Onça (Oeste).

NASCENTES
        A área do Sítio possui três (03) nascentes perenes: ALFA, (divisa Norte), ÁGUA AZUL (brejo interno), PÔR DO SOL (divisa Oeste).
        Seis (06) intermitentes.
        Grotas ou linhas de drenagem, esgotamento, nas quais se fazem coleta, retenção e detenção de águas da chuva.
        A umidade global e permanente do solo, no Sítio das Neves, somando a água retida nas folhas, nos troncos e nas raízes, estimando um volume de 5 litros por planta, monta a 35 milhões de litros (35 mil metros cúbicos).

CAPTAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO

A precipitação anual média (1.250 ml X 700.000 m2) de 875 milhões de litros (875 mil m3) é captada e retida no Sítio na seguinte proporção:
25% são retidos na vegetação (218,7 milhões de litros)
20% são retidos nas barragens ao longo de todos os canais de esgotamento (175,0 milhões de litros)
20% se infiltram no solo para recarga direta dos aquíferos subterrâneos (175,0 milhões de litros).
35% escoam diretamente para os córregos que desembocam no Ribeirão das Lajes (306.2 milhões de litros).

ESPÉCIES:

Estimam-se ao redor de 160 espécies lenhosas, entre outras: sucupira, aroeira, jatobá, angico, guapeva, embiruçu, pau santo, ipê amarelo, copaíba, jacarandá.
        Frutíferas: cajuína, mangaba, araçá, mama cadela, marmelo do cerrado, mirtilo ou arando (mirtáceas), murta ou mirto (mirtáceas), cajá, jatobá, bacupari, pequi, goiaba, manga, banana, mamão, jamelão, pitanga, jabuticaba, maracujá, guapeva, ingazeira, marcela.
        200 espécies de gramíneas (Fabaceae).
        A área é coberta por aproximadamente sete milhões de plantas de tamanhos variados. O cálculo foi estimado com uma população vegetal de 10 plantas por metro quadrado. O sítio tem extensão de 700 mil metros quadrados.
        A variedade de plantas está sendo estimada à base de uma espécie por metro quadrado, cuja soma daria 70 mil variedades.

OXIGÊNIO, combustível dos seres vivos.

        Uma árvore absorve 2kg de gás carbônico por hora e produz, no mesmo tempo, 2kg de oxigênio. As 70 mil variedades, em princípio, produziriam, em 10 horas de sol, 1,4 milhão de kg de oxigênio por dia e absorveriam igual quantidade de gás carbônico.
Um hectare de floresta pode reter, num dia, 32 toneladas de poeira tóxica produzida por automóveis e construtoras. Os 70 hectares do Sítio podem reter e eliminar 2.240 t de CO2 e devolver outras tantas de oxigênio limpo.

REFLORESTAMENTO
       
Plantio de espécies adaptáveis: pata de vaca arbórea, acácia, oiti, barriguda, sapucaia, olmo, araucária, mangueira, abacateiro, goiabeira, pitangueira, jabuticabeira, jaqueira, limoeiro, mexerica-poncã, amoreira, ipê-roxo.
        Reprodução nativa e espontânea de todas as espécies locais.

SERPENTES:

Caninana, boipeba (jararacuçu-do-brejo), jararacuçu, jararaca, jararaquinha, coral-verdadeira, falsa-coral, cascavel, cobra-d’água, cobra-cipó, cobra-amarela, cobra-do-cerrado, muçurana.


PÁSSAROS e AVES:
       
Jacu, pomba do bando, juriti, rolinha, perdiz, perdigão, jaó, garça, tucano, alma-penada, saracura, sabiá, periquito, João-de-barro, bem-te-vi, pica-paus (vários nomes), saíra, canário, pintassilgo, trinca-ferro, anu-preto, gralha, beija-flor, corruíra e dezenas de outros já catalogados.



INSETOS
       
Baratas, aranhas, grilos, besouros, borboleta azul, borboleta marrom, borboleta amarela, joaninha, vira-bosta, formigas, cupim, raros escorpiões, entre outros.

BICHOS
       
Gatos do mato (três espécies), cachorro-do-mato, mão-pelada, tamanduá, ariranha, tatu, lagarto, lagartixa, porco-espinho, sagui, macaco-prego, sapo, rã.

Brasília, abril, 2011


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Eugênio Giovenardi
RG: 139.828 SSP/DF
CPF: 090.928.381-87
Fone: 61 9981 2807

terça-feira, 3 de julho de 2012

JOANA BARBOSA



Ouço uma freada a poucos metros de minha janela que dá sobre a L-2 Sul. São pouco mais de 8h. Joana vinha do Setor de Embaixadas para seu habitat natural nas quadras 406/407 da Asa Sul de Brasília. Livros na mão esquerda. Sacolas de supermercado na mão direita. Quando acaso nos encontramos, também moro na 406 Sul, pede-me dois reais para o cafezinho. Vai tomá-lo no Pão de Açúcar ou na Casa do Bacalhau. É das poucas leitoras de  meus livros que me chama pelo sobrenome impecavelmente pronunciado.
Joana é uma pedestre urbana de fato e de direito. Não tem casa, todos sabem. Atravessa as ruas ignorando olimpicamente a existência apressada e nervosa dos carros. Despreza do alto de sua convicção de pedestre a isenção do IPI que ajudou a encher de automóveis todas as ruas e espaços. A cidade e as ruas pertencem aos pedestres, espécie rara e em extinção. A cidade e as ruas pertencem a Joana como habitante dela e delas.
Usando seu direito de ir e vir por sua cidade e por suas ruas, encontrou fatalmente um carro dirigido por um condutor que eliminou de seu cérebro a existência de pedestres. Joana, de vestido longo, colorido, cabelos esbranquiçados caídos sobre os ombros é mais visível do que um semáforo. Sobre a pista cinzenta, de longe se vê seu busto ereto, um monumento feminino, uma escultura de Camille Claudel (lembrem de L’Abandon). Impossível não vê-la. E o impossível só é culminado pela febre F-1 de condutores nervosos que fizeram das ruas da cidade corredores esquizofrênicos, meio-carros, meio-homens.
Joana Barbosa, pedestre de fato e de direito, quis apenas caminhar de um lugar a outro em sua cidade. Foi arremessada ao chão, na L-2 Sul, por um iconoclasta que não aprendeu a distinguir esculturas vivas enfeitando ruas, calçadas e espaços abertos da cidade sob o sol imperturbável de julho.

2.7.2012