sexta-feira, 13 de agosto de 2010

PARA ONDE VAMOS?

Ouço, leio, observo. Sou bombardeado por indicadores e percentuais que mostram o crescimento das vendas, da produção, da construção de casas, do aumento da população, especialmente, nos bairros pobres. Produzir, investir, consumir. Mais e mais. Freneticamente. De todos os cantos chegam ordens para consumir, melhorar a qualidade de vida, ter mais para ter cidadania. O povo vive obcecado, correndo atrás de mais dinheiro e crédito, não necessariamente de trabalho. Há que comprar. Há que consumir. Estabeleceu-se o sonho. O carro zero. O celular. O computador, também identificado como inclusão digital. Navegar na Internet. Comprar por essa via. Distrair-se. Jogar.
Que diferença objetiva existe entre uma galinha que, pelas leis da vida, se entrega a alimentar 13 pintinhos e a mãe humana que se esfola para nutrir os sete filhos que pariu? No sistema pedagógico do crescimento econômico em voga, a diferença é mínima. Ambas começam o dia ciscando e juntando a ninhada em volta da comida. Os pintos aprendem na escola da “ciscação” as leis básicas da sobrevivência e os perigos que a rodeiam. Os meninos aprendem na escola das letras as leis do mais forte, do mais rico, do que pode ter mais e consumir mais.
Tudo depende de como se organizam e com quem se unem para atingir esse alvo. Os meios não importam. O fim tudo justifica. Nos bairros ricos e nos bairros pobres, em patamares distintos, os grupos executam os mesmo atos, seguem os mesmos princípios em escalas desiguais.
Não importa ou é indiferente que sejam diferentes. O isolamento e a separação fazem parte da estrutura política vigente. Estão todos unidos pela corda estratégica do crescimento econômico, do consumo sem controle. A tática do consumir pode não igualar no ter, mas iguala no agir. A guerra surda que se opera na sociedade encontra momentos de armistício em alguns acontecimentos em que a pátria parece estar em perigo como no carnaval ou no futebol. Passada a ameaça, os combatentes voltam a seu front predeterminado.
É nesse rumo que vejo os julgamentos populares. O critério básico parece consistir na conveniência imediata do que é bom neste momento e que produz felicidade agora. Os políticos vencedores de hoje são os que administram as conveniências imediatas do cidadão massificado pela força das necessidades artificiais que sem cessar se lhe antepõem. Elas são ilimitadas. Amanhã, há mais.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

DESCONSTRUÇÃO DA ESTATÍSTICA

A estatística é uma parte da matemática. Lida com números, dados coletados sobre fatos, acontecimentos, comportamentos de pessoas e de fenômenos físicos. Ultimamente, uma avalanche de percentuais econômicos, de fatos políticos, de compra e venda de carros e eletrodomésticos inundou os noticiários de TV e rádio e obcecou jornalistas, economistas e políticos.
Há notícias, no horário de grande audiência, a maior parte dela órfã de aritmética e pobre de raciocínio matemático, que iniciam com percentuais. Hoje, ouço que a quantidade de crack apreendida neste ano pela polícia de combate ao tráfico de entorpecentes é 17% maior do que a capturada em 2009. Para quem não sabe quanto crack a polícia apreendeu em 2009, não ficou sabendo o deste ano.
A impressão que se tem é que o próprio jornalista, encantado por esse tipo de linguagem esotérica, não saiba a real quantidade confiscada no ano passado. Menos ainda a quantidade consumida por nossa juventude dourada. As informações são vazias de conteúdo e recheadas de percentuais. Nos ouvidos do telespectador entra uma cifra confusa que se perde nas circunvoluções do cérebro.
Jornalistas chegam ao cúmulo do ridículo quando tentam resumir quantidades bilionárias das bolsas de valores ou arrecadações do fisco num percentual de mais 0,12% ou menos 0,4%. Com que outro número se relaciona o percentual? Por que não dizer os números reais? Que importância tem para o ouvinte comum a subida ou descida de 0,36% do valor do dólar? Não é suficiente informar aos ignorantes em moeda estrangeira que o dólar americano foi comprado, de manhã, por R$1,76 e, à tarde, por R$ 1,75? E que, neste ano, pagamos 30 bilhões mais de impostos do que no ano passado? E o que se fez a mais com esse dinheiro?
Sociólogos, biólogos, economistas que tratam de séries históricas de fatos e comportamentos, para acompanhar a probabilidade de repetições a intervalos de tempo se valem de percentuais como referências no curso dos acontecimentos. Mas um percentual solto no espaço sem começo nem fim em nada ajuda o cidadão a compreender a gravidade do assunto em pauta. Ainda mais quando o ouvinte não tem hábito de relacionar grandezas. Grandezas relativas. O jornalista assume atitude de sábio, bem informado, dono do assunto e despeja percentuais. Usam-se percentuais para esconder a realidade, não para informar.
Assim, “a frota de luxo do Distrito Federal cresce 660%. O volume de vendas desses carros cresceu 150% desde 2006. Importadoras venderam, no 1º semestre de 2010, 7.747 modelos estrangeiros, um salto de 28,5% comparado com o ano passado”. O jornalista quis comunicar a euforia do crescimento econômico.
Qual é o impacto sobre a desigualdade social, no DF, entre o grupo de consumidores que compra um carro SLK200 por R$220.000,00 e o gari que sustenta sete pessoas com R$650,00 por mês? A diferença entre eles é que o gari terá que trabalhar 307 meses para ganhar o que eles gastam num dia. Para esse tipo de análise e reflexão há menos espaço nos jornais e na TV. O percentual não acrescenta nem diminui o tamanho da desigualdade. A pergunta de Fabio Barbosa é: como estar bem num país que vai mal.
E já que toquei no assunto dos carros, é bom saber quem está ao volante e em que ramo lucrativo de negócios estão esses consumidores milionários. Faço aqui uma pequena lista informada por vendedores de agências de automóveis. Eles são donos de construtoras e empreiteiras com polpudos contratos para executar obras do governo com nosso dinheiro dos impostos; empresários de informática (lembram da Caixa de Pandora?); administradores de shoppings; donos de escritórios de advocacia que defendem “gente boa”; proprietários de lojas de construção, de restaurantes sofisticados, de hospitais, de concessionárias de automóveis; fazendeiros da orla fronteiriça do DF; altos funcionários públicos e de embaixadas, e alguns políticos.
Mesmo com a ajuda de percentuais, é difícil estreitar o fosso entre os de cima e os debaixo.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

CASA MAIS CARA

Minha diarista Laurismênia, pega o ônibus das seis da manhã e chega no serviço às oito. Disse-me que ouviu no rádio que a casa própria está cada dia mais cara. Ela já vinha notando que o preço do material e da mão de obra subia mais de pressa do que as paredes.
Como leio vários jornais, revistas, escuto rádio, vejo noticiários de TV, conheço o Minha Casa Minha Dívida, tenho amigos arquitetos e engenheiros, procurei explicar-lhe as razões do problema. Comecei assim:
−Há um déficit habitacional de 7 milhões de moradias − você sabe o que é déficit? Não? −é a falta de moradia. O que encarece a construção da casa é a carência de gente especializada. Falta carpinteiro, azulegista, armador. Só tem servente de pedreiro e a maior parte deles levanta a parede torta, com barriga para fora. Por isso, o bom pedreiro cobra caro. Não fica por menos de 30 reais por dia. E o crédito que você conseguiu na Caixa só dá para construir lá em Valparaíso, longe de tudo, especialmente de seu trabalho.
E aproveitei para esclarecer de forma didática e peremptória a combinação dessa trama que aumenta o custo da casa.
− Pra senhora ter uma ideia, o custo do metro quadrado subiu 5,10% no ano. Mais que a inflação nesse período. Somente em julho, o Índice Nacional da Construção Civil deu um salto de 0,74%, um exagero diante da variação de 0,01% da inflação oficial medida pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo). A senhora me entende? E pra senhora que mora aqui, no Centro-Oeste, o custo da construção ficou ainda maior. Apresentou alta de 2,26% no mês de julho, a maior do Brasil, acumulando, no ano, elevação de 7,61%, mais do que o dobro da variação do IPCA no mesmo período, de 3,10%. Laurismênia arregalou os olhos.
− Então é por isso, disse ela, com as duas mãos segurando a ponta do cabo do rodo e olhando pro chão.
Ao ver o rosto apatetado da diarista, compreendi porque não existe mais oposição no Brasil. Está todo mundo de acordo com ele.

domingo, 8 de agosto de 2010

PESQUISAS DE OPINIÃO

É muito forte a probabilidade de que as pesquisas ganhem as eleições. Os métodos são científicos. A escolha da amostra segue princípios estatísticos. Por que entrevistar este e não aquele faz parte da probabilidade. Tudo é provável. E o número encontrado prova que alguém vai ganhar as eleições.

Vamos aos números. A doutora encontrou 52,6 milhões de eleitores que, no momento, votarão nela (39% dos 135 milhões de inscritos). O Zé tem 45,7 milhões (34%) e Marina Silva, 12,1 milhões (9%).

Agora, não se trata mais de probabilidade. 52,6 milhões querem a doutora como presidenta da república e 57,8 milhões não a querem. Faltam ainda 24,3 milhões que não estão nem aí para as pesquisas de opinião. Portanto, nesta semana, há um total de 82,1 milhões contra 52,6 milhões.

Aí vem a história dos votos válidos. Voto válido é uma coisa. Eleitor, opinião do eleitor é outra.

Se a doutora for eleita com 50% dos votos válidos, não será com a metade dos votos dos eleitores. Provavelmente, com a ajuda da máquina estatal, ela governará o país contra a maioria dos eleitores.

Por isso, nenhum candidato eleito, seja a doutora, o Zé ou a Marina, pode ser presunçoso, autoritário, fascista, impositivo. O eleito estará em minoria no governo, tomando-se em consideração a democracia participativa, não a eleitoral. O óbvio, então, é conclamar os eleitores para pôr em funcionamento a democracia participativa.

Mas, como nunca nesse país....

sábado, 7 de agosto de 2010

O BRANCO DO LEITE

− Você quer trocar o branco do leite, me respondeu o senhor que viajava na poltrona ao lado no ônibus Grande Circular.
Contava-lhe de minha irritação com a diarista. Havia-lhe pedido o favor de tirar o pó dos livros da estante da sala. Dei-lhe as orientações necessárias para que recolocasse os livros no mesmo lugar e na mesma posição. Mostrei-lhe que o dorso deve estar para fora a fim de ler o título e o nome do autor. Colocá-lo de cabeça para cima. Indiquei fisicamente. Até exagerei um pouco. Mostrei a figura da capa. Não pode ser assim, tem que ser assim, virando e desvirando o livro.
O senhor me ouvia atentamente e me olhava com estranheza. E eu continuei.
− Hoje, fui pegar um livro de Clarice Lispector, A hora da estrela. Fiquei furioso. O livro estava de cabeça para baixo e com o dorso para dentro. Levei meia hora para encontrá-lo.
− A moça sabe ler? – perguntou-me o senhor.
− Sabe nada, respondi.
− Você que trocar o branco do leite, repetiu-me o senhor.
− Eu preciso da diarista. Mas ela põe as cadeiras em cima do sofá. O pano molhado no assento da cadeira. A tampa quadrada numa vasilha redonda. Eu lhe disse muitas vezes que a panela pequena vai dentro da grande e ela arruma a grande em cima da pequena. Mistura lixo orgânico com o seco. A lata de molho de tomate ela põe no lixo orgânico porque molho é comida. Ela tem mania de desinfetante. Toda semana pede marca nova que viu na TV. Mas ela faz um arroz com sabor de fogão de lenha. Só não gosto quando fala alto no telefone celular mandando o marido pagar a conta da luz atrasada. Ela fala muito no celular.
O senhor se despediu e saltou na rodoviária.
Na semana que vem, quando a diarista vier, vou me lembrar do senhor que ia sentado na poltrona ao lado no Grande Circular:
− Você que trocar o branco do leite.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

DECRESCIMENTO ECONÔMICO

Nota: Este extrato faz parte de um capítulo de meu próximo romance - SILÊNCIO.

Na vida, disse-me Pedro de Montemor, certa ocasião em que discutíamos assuntos delicados de ordem moral e política, temos que ser radicais sem perder a ternura. Ternura queria dizer sem impor aos outros nossas convicções, mas não temer em manifestá-las e vivê-las.
Digo-lhe, portanto, leitor eventual, que sou a favor do decrescimento econômico a começar pelo controle rígido da natalidade. Meu argumento é simples, cortante e mortal. Com menos população, menos tudo. Menos produção agrícola, menos ocupação do solo, menos devastação. Mais espaço para a felicidade. Voltaríamos ao uso racional das riquezas naturais. Os economistas não falariam mais em crescimento econômico, em PIB e esqueceriam esses irritantes percentuais que ninguém entende a que se referem. Comentariam exaustivamente sobre árvores, bosques, águas cristalinas, traduzindo suas conclusões para o quociente de felicidade universal.
Melhorar, ajustar, aperfeiçoar é sempre desejável e compatível com a radicalização. Pode-se viver com menos objetos e mais alma, mais abundância humana, envoltos numa felicidade vegetal, livre, ao sabor dos ventos e do tempo. A humanidade percorreu pacientemente alguns milhões de anos, dando tempo ao tempo. Nessa trajetória, satisfez necessidades básicas, abriu-nos caminho para continuar ouvindo estrelas e resistiu aos perigos da vida com a mesma esperança juvenil que nos incita nos dias atuais.
A sabedoria, desde a era não incluída na memória histórica, é um território a conquistar passo a passo. E desde que a tradição oral guarda registros, houve sábios, no Oriente, que se debateram contra as paredes do desconhecido para compreender sua própria origem e adivinhar o para onde vamos, o destino da existência,
A humanidade, hoje, conhece mais. Fabrica mil engenhos úteis e inúteis. Dá a si mesma todas as facilidades para vencer distâncias. As pessoas, consciente ou inconscientemente, sentem-se distantes de algum ponto imaginável e invisível. Embarca em avião. Compra carros velozes e corre para se aproximar desse alvo sem saber qual.
E o território da sabedoria continua inexplorado. Pouco ou nada se sabe da origem da vida nem do destino que nos surpreende a cada nascer do sol. Com muito menos engenhos pode-se ter a mesma certeza de viver e morrer sem compreender o começo e o fim. O espaço entre a origem e o destino é suficientemente amplo para conter a inquietude milenar da humanidade. A única certeza é que vamos para o lado oposto de onde viemos.
O crescimento econômico não resolvera o enigma de nossa origem e de nosso destino. Apenas aumenta a angústia e a ansiedade.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

ELEITORES DA PÁTRIA GRANDE

O jornalista enfiou o microfone na boca do eleitor ao lhe perguntar o que esperava do futuro presidente.

O homem tinha o rosto roído pelos anos de sofrimento. Vestia mais do que modestamente. Alpargatas nos pés rachados. Atônito com a indagação, o desempregado tentou a resposta.

− Trabalho.

− Que tipo de trabalho? − insistiu o repórter eleitoral.

− Não tive estudo, porque onde eu tava não tinha escola. Se eu tivesse estudo eu tavaria com uma boa profissão.

Na desagregação do eleitorado de 135,8 milhões de votantes para se conhecer o grau de instrução e possível capacidade para discernir entre programas de candidatos, encontram-se estas categorias: 8,012 milhões são analfabetos; 19,8 milhões dizem saber ler e escrever, mas não frequentaram escola; 44, 8 milhões têm primeiro grau incompleto. Mais da metade dos eleitores possui diminuta capacidade de entender a linguagem dos candidatos e o conteúdo de seus programas. Com certeza, entenderão se lhes disserem que o governo continuará dando dinheiro do Bolsa Família.

Por falar nesse programa, o ministério da fome propôs aumentar o número de assistidos de 12,7 milhões de famílias para 13,2 milhões. Inclui-se `um milhão e meio de novos beneficiários. Se os assistidos do Bolsa Família são considerados de extrema pobreza, a que categoria pertencem esses novos beneficiários?

Há poucos dias, o IBGE e o IPEA informaram que o número de pobres havia diminuído e a desigualdade estava sendo reduzida.

O entrevistado, apesar de analfabeto, sabe que trabalho é a solução básica para vencer a pobreza. Os governantes preferem aliená-lo dando-lhe dinheiro para comer e mantê-lo pobre.

O Brasil é um país continental, uma pátria grande.