quinta-feira, 29 de julho de 2010

MARTÍRIO DA DEMOCRACIA PARTICIPATIVA

Concebido e gerado no ventre das Comunidades Eclesiais de Base criadas pela Igreja de Roma, o Partido dos Trabalhadores foi batizado e crismado pelo DNA fundamentalista cristão e católico. Catolicismo e petismo têm relações de mãe para filho. O traço genético que os une é o arcabouço institucional autoritário. A mesma burocracia eclesiástica e clerical do Vaticano se reproduz na organização estrutural do PT.
Os cardeais da Igreja e os do PT definem as regras do jogo, dos ritos, da fé, das crenças e dos sacramentos. A Igreja sem papa não subsiste. O PT sem Lula se extingue. O papa é a Igreja. Lula é o PT. O papa é infalível, não erra. Tudo o que diz é aceito como verdade irretocável e repetido pelo rebanho de bispos e padres. Lula decide, ordena, orienta, não sabe o que fazem seus bispos e vigários e os inocenta. A Igreja impõe a verdade única porque é divina. O petismo lulista determina o pensamento único porque é fascista.
A Igreja é conservadora e se acomoda ao andar da sociedade para sobreviver. O PT imita a mãe e usa os mesmos cosméticos e se veste obedecendo à moda política e econômica dos novos tempos.
A corrupção moral e financeira de cardeais, bispos e sacerdotes não pode alcançar o papa. As maracutaias dos aloprados petistas, a corrupção dos revolucionários, o mensalão e o caixa dois de senadores, deputados e do alto clero do PT não atingem Lula.
O papa é aclamado pela alta cúpula clerical e pela plebe. Lula é o papa do Brasil. A Igreja almoça com os poderosos, mas não esquece os pobres do mundo porque deles é o reino dos céus. O PT se uniu aos banqueiros e aos grandes empresários, mas cuida dos excluídos do país porque deles é que vêm os votos que o manterá no poder. A Igreja acomodou os poderosos e os pobres. O PT se aliou aos ricos, formou uma nova elite consumidora e pacificou os pobres. Mas os pobres, cuja capacidade de receber é infinita, poderão abandonar Lula como abandonaram a Igreja ao não lhe dar tudo quanto pediram e esperaram. Na rebelião dos excluídos, Lula não controlará nem os ricos nem os pobres.
A Igreja, quando não consegue impor sua doutrina, contemporiza, coopta, sublima ou arrasa culturas, justifica adaptações em nome de Deus. O PT, não podendo impor ao país sua revolução socialista idealizada nas portas das fábricas, convenceu os trabalhadores a domesticar o capitalismo da direita, eliminando qualquer possibilidade de oposição por osmose doutrinária e simbiose política e moral. A cereja sobre o bolo totalitário e fascista é extinguir a oposição política. A oposição está morta, mas insiste em dar dignidade ao velório.
Na Igreja, encontram-se adeptos das doutrinas morais, econômicas e políticas da extrema direita à ponta esquerda. No PT, a revolução socialista foi esquecida, mas a nostalgia totalitária por ditadores de direita e de esquerda reacende o ânimo dos estrategistas do poder absoluto.
Os erros, as mentiras, os equívocos doutrinários da Igreja são apagados com um pedido de perdão histórico. O petismo justifica seus erros e sua corrupção ideológica alegando que o mundo evoluiu e seus revolucionários acompanharam as mudanças.
O petismo subsistirá na medida em que, à imitação de sua mãe católica, seja capaz de manter Lula no Vaticano pátrio e garantir a manipulação de todos os departamentos da máquina governamental entregues a subordinados submissos, dispostos a darem a própria vida na arena política sem medo de ser felizes no paraíso ou no inferno.
O país está diante de uma imponderável perspectiva democrática além do fugaz voto eleitoral. Não há indícios de que a Igreja pretenda amaldiçoar seu filho pródigo por ter desperdiçado o patrimônio revolucionário querido e ordenado pelo Deus do Vaticano.
O petismo lulista será vencido por si mesmo, pelo cansaço, pelo esgotamento de sua fantasia de poder e pela náusea moral que a promiscuidade ideológica provocará na sociedade em poucos anos.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

VELÓRIO ELEITORAL

Às vésperas de grandes decisões políticas sobre a escolha dos novos governantes, as mistificações e as promessas se multiplicam. Vive-se uma espécie de velório durante o qual se fala do morto e de tudo o que ele ainda podia ter feito e a grandeza do que fez. Evita-se falar do que não quis fazer.
Neste velório eleitoral também há herdeiros atentos e ansiosos do falecido. Em seu testamento, a pátria e toda a mobília, serviçais e equipamentos pertencerão aos sucessores. O espólio é grande e os interessados escolherão a parte que lhes cabe desse latifúndio lucrativo.
O morto não estará mais aqui para interferir no que farão com a casa e quais as negociações que os novos donos encaminharão aos interessados na possível compra do patrimônio.
Como nos testamentos deixados em vida em que todos ou quase todos parecem respeitar, o testamento eleitoral também está sendo acolhido por amigos, admiradores e defensores do falecido.
Os cartórios políticos, os comentaristas, os analistas, os institutos de pesquisa de opinião acordaram em transformar a pátria em propriedade privada de um único dono, cuja vontade também é única e imposta a todos os descendentes.
Durante o velório eleitoral só se discute, entre almoços, jantares e brindes, as únicas e últimas vontades do falecido. Há que se respeitar o defunto e suas vontades por medo da aparição de seu espírito contrariado.
Há os que contestam o testamento, alegando a combalida saúde mental do falecido acometido, durante longos anos, de enfermidade rara – megalomania encefálica e tendência à dipsomania − agravadas pela paranóia persecutória que o levou a associar-se às mais vis personalidades da república que, em outros tempos, as acusou de corruptas e criminosas. Nos estertores agônicos, na iminência do fim, passou a contestar as leis constitucionais, a insurgir-se contra as instituições tradicionais da república, a zombar das decisões dos tribunais e a mudar a data da descoberta deste país.
O testamento, porém, será mantido. Somos cidadãos de uma pátria dominada pela religião, pela superstição e pelo fetiche. Há que se respeitar os mortos. No velório eleitoral, do morto há que se lembrar apenas as virtudes. Os herdeiros, depois do enterro, esquecerão o falecido. Desfrutarão da casa-grande, da mobília e dos serviçais.

terça-feira, 27 de julho de 2010

O MONSTRO DA RODOVIA

O automóvel foi elevado pela civilização do consumo à categoria de sonho. Conduzir e ser conduzido em alta velocidade já iludiram Ícaro e o devolveram à realidade do chão. Nas estradas tombam filhos, pais, irmãos, pedestres e animais incautos.
Acidentes de trânsito e outras falhas técnicas têm raízes no descompasso entre a rápida evolução dos equipamentos automotorizados − tecnologias avançadas − e a lenta capacitação das pessoas em operá-los.
A tecnologia é baseada em leis físicas e os equipamentos − da roda da carroça ao avião − a elas estão sujeitos. Velocidade, peso, altura, volume somam se à lucidez do operador, seu estado mental e físico, suas pressões emocionais, psíquicas, culturais. Esse conjunto de circunstâncias estará presente na operadora de telefonia ou do computador, na mão do médico, do pedreiro, do tratorista, do jovem que dirige o carro de seu sonho.
Unir velocidade com estradas bem ou malsinalizadas, pouca experiência do condutor ou desconhecimento do sistema de freios do veículo, as consequências são previsíveis. De mais a mais, o trânsito na cidade ou nas rodovias compõe um sistema complexo do qual faz parte transcendental o condutor. Insistir nas multas, na educação geral para evitá-las, no cumprimento mecânico das regras, no combate ao alcoolismo não têm tirado do Brasil o título de campeão de mortes no trânsito.
Há limites de poder entre qualquer máquina e seu operador. A lei da inércia, por exemplo, pode ter mais poder de ação, em certas circunstâncias, do que o condutor de um veículo. A ambição, a demonstração de status social, a tentação da velocidade, qualquer outro impulso humano fora de controle não paralisa o funcionamento da lei da inércia. Um segundo inercial pode ser o fim de um sonho.
É de se perguntar aos funcionários do DETRAN, aos proprietários de autoescolas e instrutores sobre sua preocupação com o conhecimento das leis físicas ao dar permissão para dirigir um automotor. Ensinar sinais de trânsito e a ler placas é uma parte apenas do sistema e se referem aos truques para evitar multas e contravenções formais. Por trás das placas, normalmente invisíveis, ignoradas e até destruídas, estão as leis físicas em pleno funcionamento.
Elas são desobedecidas por descuido, distração e ignorância, por inabilidade, por perturbação da mente provocada por vários fatores − alteração emocional, consumo exagerado de álcool, pressa ocasional ou crônica, vaidade juvenil, demonstração incontrolável de poder. Não basta, pois, entusiasmar-se com a evolução tecnológica. Os avanços do conhecimento e da capacidade de uso desses gigantescos equipamentos são imprescindíveis e são a base da sabedoria.
Na dúvida, não ultrapasse, diziam antigamente as placas. Na dúvida, não dirija. Aperfeiçoe sua capacidade para manejar um equipamento subordinado a leis físicas. Você é a parte mais importante do sistema de trânsito.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

O QUARTO SUBSOLO

Elizeu é, entre milhares, apenas um dos casos de doença malcuidada porque pertence à categoria de cidadãos do Quarto Subsolo deste gigantesco e cordial país.
Os hospitais públicos atendem com prioridade os que chegam primeiro, os que têm patrocinadores ou estão em classes de pacientes privilegiados pela política de saúde do governo. Esses fazem parte das estatísticas positivas. Na estatística negativa, entram os do Segundo Subsolo que esperam semanas e meses para obter uma senha de consulta ou exames.
O Terceiro Subsolo contém os eleitores apadrinhados de políticos ou de influentes personalidades que furam os tênues controles da organização social e creditam os protegidos à conta da emergência.
No Quarto Subsolo do país, concidadãos de Elizeu, estão os fora das estatísticas. Não são poucos. Dezenove milhões de iletrados, os desempregados crônicos, os que formam o cinturão de pobreza nas fímbrias das metrópoles, os que esperam horas, semanas e meses nas filas de postos de saúde e hospitais. Isto não os impede de operar celulares, metralhadoras e cuidar de carros em estacionamentos.
Eles se compreendem, se ajudam e têm consciência de que serão derrotados mesmo com os precários gestos de solidariedade de voluntários. Todos se preparam para um enterro decente, caixão forrado, guirlanda de flores, abraços, palavras de conformação e lágrimas.
Eram onze horas da noite do dia 20 de julho de 2010. Elizeu, morador do Quarto Subsolo da República Federativa do Brasil, morreu no Hospital de Base de Brasília, antes de ser medicado na Emergência.
As evidências de sua saúde abalada pelo inchaço resultante da gangrena do pé machucado não foram, por si sós, suficientemente fortes para merecer a atenção do médico de plantão. Do Quarto Subsolo à superfície do térreo são vários lances de escada. Por falta de ambulância, mobilizaram-se amigos do mesmo Subsolo para levá-lo ao térreo e, dali, ao hospital. Força bruta apenas. Boa vontade solidária e estéril. Na Emergência do hospital, um rápido olhar ao desconhecido, calado e submisso. Para um cidadão do Quarto Subsolo também existe tecnologia, mas operada com intemporalidade, isto é, sem prazo para obter resultados necessários ao parecer médico. Os exames seguem uma cronologia não pela ordem da gravidade do mal e, sim, pela ordem de chegada do pedido.
O aparelho de alta tecnologia a serviço do pagador de impostos não está em qualquer hospital. De preferência, não está no hospital frequentado por cidadãos do Quarto Subsolo. O médico desse hospital não usa o próprio olho, nem a mão, nem seus oito anos de medicina para tratar desses moradores do andar de baixo. Tem absoluta confiança na máquina. Ela fará por ele o que ele não fez ao paciente. Enquanto os exames passam de máquina em máquina, de laboratório em laboratório, esgotam-se dias e semanas.
Enquanto isso acontece, sem preocupação com o paciente, movendo ampulhetas segundo as normas técnicas dos procedimentos, o paciente é mandado à farmácia. Os antibióticos e anti-inflamatórios custam o dinheiro que o condenado à morte não tem. A solidariedade dos moradores do Quarto Subsolo se cotiza, apela para amigos do primeiro e segundo andares e consegue levar os remédios ao paciente. O estado de gangrena avança sem paciência de esperar pelo resultado dos exames que a parafernália tecnológica arrasta de uma sala a outra, de um paramédico a outro.
Tumulto no Quarto Subsolo. O morador, entupido de antibióticos, percebe que a trama para eliminá-lo deu certo. Grita por socorro para fugir do desabamento final. Metade dos remédios sobrou. Os exames não chegaram ao fim. Elizeu, cidadão do Quarto Subsolo, partiu. Deixou o corpo no hospital onde havia entrado para ser visto antes do fim.
Elizeu não é o único morador do Quarto Subsolo brasileiro. Há vinte e sete milhões amontoados lá embaixo. E o pessoal do primeiro andar, que entra nas estatísticas positivas do crescimento econômico, festeja a escalada gloriosa do PIB.
O fatalismo do Quarto Subsolo enterra os mortos na cova rasa. Paga o coveiro com a ajuda da vizinhança e volta para o anonimato.

terça-feira, 13 de julho de 2010

O QUE ENTRA NO PIB?

Liga-se a TV, à noite, para conhecer as novidades e as decisões políticas e esportivas do dia. Depois de anunciar e detalhar em pormenores macabros o crime da semana, para não esquecer que nosso país e a humanidade resistem em sair do Terceiro Mundo, os âncoras nos remetem às bolsas, ao câmbio e ao PIB.
Suavemente, passa-se do esquartejamento de um corpo jogado aos cães às conquistas econômicas, à produção e venda de automóveis. Para melhor compreensão dos 142 milhões de analfabetos funcionais, os apresentadores mencionam percentuais positivos, comparando os avanços de um trimestre a outro. Tudo acaba no PIB. O que me intriga nesses anúncios da corrida insana do crescimento econômico é saber o que entra no PIB.
A (o) jornalista, com um tom de sabedoria e competência na voz, lembra que o PIB é a soma de toda a riqueza produzida no país. Riqueza bruta.
Perguntei ao Bio, dono da banca de frutas na esquina de minha quadra, se ele tinha ideia do que entra no PIB.
− Ali, está tudo, respondeu com desprezo, mas é o bruto, tirando a tara, fica o líquido.
Tenho certeza de que nem o sindicalista Lula nem o ministro Mantega pensaram nisso: o Produto Interno Líquido.
Levei o mamão para casa. Descasquei, Joguei a casca e as sementes no lixo orgânico. Diante do mamão descascado, comecei também a tirar a tara do PIB, seguindo a sacada do Bio.
Lembrei apenas alguns acontecimentos dos últimos meses. Milhões de reais, também chamados mensalões, foram desviados para cuecas, bolsas e bancos no exterior. Há bilhões escondidos em grandes empresas, em empreiteiras que superfaturam obras públicas e sonegam ao fisco. Parte da encosta desceu em Paraty sobre uma pensão e várias casas de luxo, mortes, perdas materiais. Logo em seguida, Niterói foi cenário do deslizamento de um lixão sobre o qual havia centenas de casas. Foi arrasado. Cidades do interior de São Paulo, jóias culturais do Império que desapareceram, certamente têm contribuído ao PIB com bilhões. Há poucas semanas, Pernambuco e Alagoas perderam duas dezenas de cidades, varridas pelas águas do Mundaú. Essas calamidades produzidas por fenômenos naturais devem ter retirado do PIB alguns bilhões de nossos impostos e das economias das vítimas. Nos noticiários, o PIB continuou em alta.
Mas, em nenhum momento, os comentaristas econômicos e jornalistas de renome subtraíram a tara de nossas riquezas perdidas e nos disseram qual é, depois de todos essas perdas humanas e materiais, o Produto Interno Líquido.
Com o devido respeito, convido-o a rir com desprezo desse cacoete jornalístico de enfiar diariamente o dedo no nariz do PIB. Para alívio dos 75 milhões de beneficiários do Bolsa Família e melhor compreensão sobre os rumos do PIB, ofereço a esclarecedora lição de nosso colunista econômico do Correio Braziliense.
“O Relatório de Inflação do Banco Central projeta crescimento alto (PIB) e IPCA em queda com pequeno ônus da Selic.”
Obrigado pela sintética e preciosa informação. Falta, agora, dizer ao Bio qual é o tamanho de nosso Produto Interno Líquido.

terça-feira, 6 de julho de 2010

DEMOCRACIA DO LIXO

Você notou que, sorrateiramente, políticos, empresários, legisladores, comentaristas, fiscais tratam o cidadão como simples consumidor. O passageiro que, mediante contrato de prestação de serviço, paga antecipadamente o bilhete que lhe dá direito a viajar no dia e hora combinados, de repente, é um mero consumidor. Consumidor de quê?
Entramos na era e nas cláusulas dos Direitos do Consumidor. As leis que, em princípio, orientam e protegem o cidadão, ordenam e facilitam as relações sociais não têm força suficiente para garantir o cumprimento de contratos.
O cidadão sofre de metamorfose kafkiana. Transmuda-se em paciente de médicos e hospitais, em cliente de lojas, em usuário de serviços públicos, em correntista de bancos. Para todos ele é um consumidor. Os remédios, as batatas, o cartão de crédito, o bilhete, a conta da luz são provas inequívocas de sua nova identidade, além do RG e do CPF que lhe dão direito a consumir.
Democracia perfeita. Somos todos consumidores. Não há rico nem pobre. O branco e o negro são substancialmente consumidores. Em consequência, somos todos elevados à categoria superior de produtores de lixo. O consumidor grã-fino que joga no contêiner quilos de carne, camarão, camisas de grife e botas americanas está no mesmo patamar do consumidor classe-média que atira a lata de cerveja pela janela do carro. Ou do taxista que se desfaz do copinho plástico de café na sarjeta. Ou do fumante inveterado que desocupa o cinzeiro do carro no estacionamento. Ou do pescador que deixa à beira do lago ou do rio garrafas plásticos, sacolas e restos de comida. Ou do caminhoneiro que usa o acostamento da rodovia para formar lixões a céu aberto frequentados por ratos, carcarás e cachorros famintos.
O lixo iguala os consumidores. Democraticamente. Somos todos iguais perante o lixo. Não há distinção de classes, de religião ou de partido. Já é um direito do consumidor produzir lixo e derramá-lo em qualquer parte. As pilhas de entulho descarregado à beira das rodovias do DF, decorados com restos de cerâmica e azulejos de marca, são por acaso dos favelados da Estrutural, bairro da periferia de Brasília?
Na próxima assembleia constituinte os legisladores poderão adaptar o conceito de cidadania à filosofia e à religião do crescimento econômico e declarar democraticamente em seu artigo primeiro:
Todo cidadão brasileiro é um consumidor e como consumidor tem o direito inalienável de produzir lixo, independentemente de sua classe social, credo político ou religioso.
Nenhum consumidor deve ser discriminado pela qualidade ou quantidade de lixo produzido, depositado em contêineres urbanos ou jogado no leito dos rios, á beira das rodovias, nas sarjetas, sobre as calçadas e à sombra das árvores.
O cidadão é antes de tudo um consumidor.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

A TRAIÇÃO

Alguém me perguntou qual foi a maior traição política dos últimos oito anos. Você teria uma boa pista?
Quando me convidaram, há uns vinte anos, a uma reunião de bairro em que o orçamento do município era dito participativo, minha alma de cidadão vibrou intensamente.
O dinheiro arrecadado com a cobrança de impostos, taxas e multas dos cidadãos seria aplicado em prioridades decididas em debates de rua, bairros, sindicatos, cooperativas, ao lado de vereadores, secretários do governo municipal, presidentes de fundações e institutos, professores de escolas e universidades. As necessidades e interesses coletivos passavam por um crivo dos participantes, expressava-se a vontade popular, anotavam-se as prioridades para serem incluídas no plano de investimentos básicos.
A execução do orçamento, a aplicação do dinheiro em projetos conhecidos da população era fiscalizada por organismos populares, associações de defesa dos interesses dos cidadãos, representantes de partidos políticos, com o apoio da imprensa falada, escrita e televisada.
Era estimulante ouvir mulheres do povo, trabalhadores da construção, moradores de bairros distantes com dificuldade de transporte para ir ao trabalho, professores de escolas públicas, defensores de árvores, parques e jardins, jovens reclamando por praças de esporte. Em resumo, era a verdadeira participação popular nas decisões políticas da administração do dinheiro do povo.
Onde está, hoje, o estímulo à prática do orçamento participativo que fazia vibrar o interesse político e a organização da população?
Os criadores e incentivadores dessa prática inovadora e patriótica chegaram, por fim, ao governo do país e de alguns estados da federação. Começou a traição política. Deslumbrados pelo poder, esqueceram-se do orçamento participativo. Jogaram no lixo a ideia e a prática. Entregaram a uma única mão o poder de usar e abusar de nosso dinheiro. Onde foram parar os bilhões que o fisco recolheu com sabedoria, técnica e tenacidade? Em gastos pródigos da máquina estatal, avião privativo e cartão corporativo, nos bancos, na concessão generosa de créditos para consumo compulsivo, nas montadoras de automóveis, na farra das empreiteiras de obras faraônicas e na exploração imobiliária urbana, entre outros.
As inundações reincidentes, o deslizamento de morros e encostas, a devastação de cidades, o transbordamento de rios, a desertificação da Amazônia e do Cerrado são algumas das consequências do abandono da prática do orçamento participativo em âmbito nacional com critérios de precaução. Em falta dele, a mão generosa do único manipulador dos bilhões de dinheiro público, em nome próprio, socorre os governos estaduais displicentes e relapsos. Tudo continuará como antes.
A grita popular e seu direito à participação nas decisões políticas se diluem nas míseras cartas do leitor. Os cidadãos são conclamados, em nome da solidariedade nacional, a contribuir com toneladas de alimentos, metros cúbicos de água potável, colchões para abrigos improvisados e caixões para enterros.
A organização popular, a participação política dos cidadãos ficará à mercê do próximo Grande Irmão Lusseff que nos indicará o caminho da única felicidade possível, a que Ele está disposto a nos oferecer.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Comentários de um editor

Recebi de Carlos Appel, crítico literário e editor (Movimento, Porto Alegre), esta mensagem sobre meus escritos literários. Heliodora sairá pela editora Paulo Francis.

Acabei de ler, ontem à noite, teu novo romance Heliodora. Observo que tua ficção tem trazido à tona temas diferenciados, que passam pelos conflitos de um jovem em formação no seminário, com novas experiências em associações e junto a pessoas da periferia das cidades – onde se incluem os sindicatos, diferentes dos de hoje – como é o caso de O homem proibido, que cresceu muito ao ser reescrito.
Em nome do sangue narra um caso específico: o assassinato de um padre, mulato, num cinema em Passo Fundo. Junto aos preconceitos sexuais, religiosos e sociopolíticos, delineias os porões da igreja, seus meandros, o jogo do poder e a manutenção dos dogmas.
Mas estamos em novos tempos, o de Woodstock, o dos Beatles, o da pílula anticoncepcional, o da liberação sexual, o da Revolução de 68 na Europa, cujo epicentro é a França e cujo lema será “É proibido proibir”. Hoje já podemos entender o recado de tudo isso e que foi bem intuído pelo teu “homem proibido”. O mundo bipolar se decompôs, o multiculturalismo passou a ser a palavra para tentar explicar e entender os novos conflitos mundiais, o que se fez acompanhar pela implosão dos centros hegemônicos, como é o caso da Europa.
Tua análise dá forma e corpo ao conflito permanente entre o poder religioso e o secular, ainda que localizado no tempo e no espaço do papa João XIII, ou seja, na transição do mundo medieval para a Renascença, quando as teorias científicas de Copérnico, Galileu Galilei, Leonardo da Vinci e Comenius, entre tantos outros, começam a colocar em dúvida e atingir dogmas multisseculares da Igreja. A concepção que Leão XIII tinha dos pobres e seu papel no jogo do poder, também pode ser detectada, mesmo 500 anos depois, em Heliodora. Narras, de outro modo, as “vidas secas” de Graciliano Ramos, a dos pobres sem perspectiva nem remissão. As criaturas de Graciliano Ramos, quando muito, chegam a procurar a cidade, para onde levam os filhos, em busca de “lápis e caderno” para não permanecerem analfabetos e sobreviventes como os pais. Heliodora e Arcemiro, com a penca de filhos desnutridos e analfabetos lembrando um célebre quadro de retirantes de Portinari, são os novos expulsos do sertão nordestino. Desta vez, vão mais longe e chegam às margens de Brasília. Serão os calangos. Ali conseguem ver de perto, como é o caso de Heliodora, aqueles que, com o seu mísero trabalho, eles ajudam a enriquecer. São seres que vivem à espreita, agonistas da História.
Isso, quanto ao tema. O que, no entanto, importa muito em Heliodora, é teu distanciamento crítico das questões éticas e sociais, e o nível de linguagem que sustenta e dá vigor à narrativa.
Heliodora é um sopro de vida na atual literatura brasileira.

Com um abraço do
Carlos Appel

DEZ MOTIVOS PARA VOTAR EM LUSSEF

Nota de esclarecimento: LUSSEF é um híbrido político, cruzamento resultante da mais avançada tecnologia maquiavélica e da clonagem de embriões que, na história republicana do Brasil, se reproduzem pela primeira vez na placenta fisiológica do poder por inseminação artificial in vitro. É candidato a presidente da República Federativa do Brasil.
1. Se você estiver contente com seu carro novo, sua terceira TV, sua nova máquina de lavar, vote nele.
2. Se você estiver contente com os engarrafamentos monstruosos das cidades pela falta de uma política nacional de investimentos no transporte público, vote nele.
3. Se você estiver contente com a mentira de todos os dias, com o desprezo da ética e das leis que controlam as instituições públicas, vote nele.
4. Se você estiver contente com o país grande e bobo produzido por um sistema arcaico e ineficiente de educação que paralisa a capacidade de pensar do brasileiro, vote nele.
5. Se você estiver contente com o preço da saúde que paga às seguradoras e ao INSS para esperar meses na fila de atendimento em hospitais mal-equipados ou morrer de overdose de remédios químicos, vote nele.
6. Se você estiver contente com o desmatamento da Amazônia e do Cerrado para produzir alimentos de exportação, poluindo rios e provocando enchentes arrasadoras nas cidades, vote nele.
7. Se você estiver contente de estar pendurado no cabide de empregos por indicação ou concurso, ganhando 15 a 20 vezes mais do que a diarista ou o gari que limpa sua casa e sua rua, vote nele.
8. Se você estiver contente de viajar por estradas malconservadas, enfrentar portos e aeroportos congestionados, pagar impostos rodoviários e aguentar com as consequências de acidentes, vote nele.
9. Se você estiver contente com a segregação política de 70 milhões de brasileiros acorrentados à Bolsa Família para engordar supermercados e premiar a ociosidade, vote nele.
10. Se você estiver contente com a derrama de crédito que endivida agricultores, idosos e incautos para multiplicar o lucro de bancos públicos e privados, vote nele.

É possível que, um dia, você perceba que um híbrido é estéril.
Pense no presente, mas não esqueça que o futuro são seus filhos, netos e bisnetos. A Terra não precisa de nós. Nós é que precisamos dela. Ouça a voz da floresta, da Amazônia profunda e pense.