quarta-feira, 29 de setembro de 2010

EXTRAORDINÁRIO PRESIDENTE

Lula você é um cara extraordinário. Quem o viu dependurado num pau-de-arara, comendo poeira numa interminável estrada rumo ao Sul, só podia pensar que você era o filho deste Brasil grande, rico e desigual.
A poderosa indústria de automóveis que fez brotar nas mentes do cidadão o admirável sonho do carro individual, símbolo do poder e do sucesso, também despertou em você a ambição de comandar. A corrida desabalada fascina o condutor e tudo fica para trás. Você logo compreendeu que ninguém é inimigo de ninguém quando se trata de conquistar o melhor para si.
Você mostrou ao mundo que a falta de educação fundamental e nenhuma leitura não impedem de chegar ao governo de quase cem milhões de eleitores semianalfabetos. Você se vingou dos poderosos que lhe deram trabalho, pondo-se acima deles, negociando critérios, princípios, ética e moral.
Essa inversão do poder, um trabalhador comandando o patrão, lhe fez brotar a extraordinária ideia de que tudo vai começar do zero neste país. Um novo Brasil, com nova história, com novas estatísticas, começou a nascer do nada. A herança maldita se tornou bendita. Era só negociar com a ponta forte e impor sua decisão na ponta débil. Manter a riqueza dos ricos e dar o estritamente necessário para garantir o mais que nada. Matar a fome é bom. Melhor seria matar a ignorância.
Do pau-de-arara ao aerolula foi um salto extraordinário. Comer o pó d estrada, nunca mais. Respirar o ar das alturas, chegar em poucas horas em terras de África, China, Índia, Japão, Cuba, Nova Iorque ou Paris, é a melhor receita para esquecer as agruras, ignorar as maracutaias, zombar das roubalheiras e acusar as elites de atrasar o país.
Que diferença entre as roupas puídas, a sandália havaiana que você usava e o terno Armani que todos os pobres do Brasil grande vão vestir no próximo governo. Do Nordeste, recuperado pela transposição do Rio São Francisco, desembarcarão, em São Paulo, comissários do partido, Alfas e Betas Mais para administrar Fundos de Pensão, Empresas de Banda Larga, novos ministérios, gerir trens de alta velocidade.
E por falar em ministérios, sua extraordinária generosidade não deixou ninguém sem um pedaço do bolo. Todos os Ípsilones e os Deltas Menos do partido terão lugar nessa indústria de cargos. Essa cama burocrática, larga, confortável e macia pode ser ampliada. Temos certeza que será. Virá o Ministério dos Desertos, dos Rios Secos e Poluídos, Ministério do Resgate de Inundados, do Sepultamento de Vítimas do PCC e da Polícia, Ministério Internacional de Recuperação Democrática de Ditadores. Comissários do partido fascista e companheiros de luta terão no BNDSC créditos fartos para garantir o crescimento do PIB como nunca nesse país.
Pergunto-lhe, extraordinário presidente, por que você não indicou ou impôs o nome de um trabalhador, de um sindicalista ou um dos milhares de nordestinos que experimentaram o pau-de-arara para substituí-lo na presidência do Brasil?
Compreendo. Nenhum outro trabalhador poderia repetir o que você fez em oito anos. Você é único, insubstituível, inimitável. Você não poderia suportar um trabalhador no governo que fizesse melhor do que você. Nenhum trabalhador saberia negociar com empresários, banqueiros, montadoras de automóveis para garantir um lugar nobre e alto ao doutor PIB. Nenhum trabalhador da CGT ou da CUT teria essa extraordinária ideia de proporcionar à nova classe média o sonho do carro zero ou da casa própria de 32m2. Nenhum trabalhador se atreveria a comprar um avião para visitar todos os países do mundo apenas com “interesses comerciais e de negócios”. Nenhum trabalhador se submeteria a restaurar e fortalecer o poder de homens injustiçados pela imprensa como Collor, Sarney, Bulhões e Barbalhos, outrora considerados criminosos e corruptos por você.
É seu preconceito contra os trabalhadores e retirantes por serem pouco instruídos, sem título universitário, sem princípios políticos flexíveis e pragmáticos e não preparados para a ditadura fascista mascarada de democracia.
Você foi sensível à canção patriótica “mulher brasileira em primeiro lugar”. A exemplo da Argentina, Islândia, Finlândia, Índia e Filipinas você optou por uma mulher no governo. Impôs o nome de sua protegida para substituí-lo na Casa Civil que ela conhece bem. Genial. Um passo gigantesco contra a discriminação da mulher. Falta saber se foi esse o sentido e a intenção de sua decisão pessoal, isolada, soberana. Talvez essa imposição da protegida tenha nascido do desconforto que lhe gera a inapetência política de dona Marisa, preocupada com a elegância da moda e o penteado do cabelo.
Você foi generoso com seus inimigos e não lhes negou o abraço, a acolhida, os convites para sentar à mesa nem dispensou o apoio mediante condições e concessões. Poderia ter sido mais generoso com centenas de mulheres mais aptas a governar o país ou com a companheira Marina Silva que se uniu à sua vida pela mesma origem humilde e digna. Ela está mais próxima da utopia de um Brasil diferente e possível. Mas você não quer um Brasil diferente e possível, mais além de sua miopia política. Você quer um Brasil estável, composto de camadas que se sustentam umas às outras em busca da felicidade imediata e no grau suportável de ilusão primitiva.
Você, como poucos, conhece o povo brasileiro. Sabe que não tem memória e os acontecimentos da semana passada não interessam. Prefere não lembrar-se da conta da luz e da água, do imposto de renda e do INSS. Esquece toda essa dinheirama que foi descansar na conta do banco, na meia, na cueca de algum aloprado. Por isso, ninguém se importa que você tenha esquecido o que disse do Collor e do Sarney e dos 300 picaretas que agora o bajulam. Você sabe quem roubou e quanto roubou, mas sabe que o povo não liga para esse costume nacional e até acha astúcia admirável e olha embasbacado o esperto ladrão que desfila em carro luxuoso ou voa em jatinho próprio. O povo apenas quer a parte que lhe toca e não é muito. Um pouco mais que nada. Você encarnou essa sabedoria popular, essa mistura de vícios e virtudes patrióticas que, de repente, o povão crê ter chegado com você ao poder, se considera presidente da república e não quer sair da Casa Civil.
Campeão de popularidade, inflado de povo, intumescido de bajuladores, blindado por aloprados, você esbanja ironia e sarcasmos, zomba dos adversários, ataca o TCU, despreza os tribunais eleitorais, vocifera contra os que ousam pedir moralidade, ética e postura civilizada.
Quem ousa dizer que você é um boquirroto, que se tornou igual aos políticos mentirosos, lenientes, inescrupulosos, cínicos é logo colocado no banco da elite que atrasa como nunca antes este país.
Você é extraordinário. Formou a própria elite, deu-lhe um endereço privilegiado e encheu-a de favores especiais para igualar-se a elite verdadeira e antiga que o sustenta no poder.
Você é extraordinário e está levando o país ao fascismo sem causar dor à inteligência das esquerdas que perderam a vergonha, afetadas pelo Alzheimer.

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