segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

VIDUTOS DESNECESSÁRIOS

O princípio da discussão democrática participativa foi abolido, nos últimos anos, no Brasil. Decisões são tomadas para agradar o crescimento do PIB. Obras são levantadas afrontando as necessidades básicas de comunidades. Não importa que a natureza seja agredida. Paga-se a multa que servirá para outras obras igualmente depredadoras do ambiente. Assim aconteceu no vilarejo Engenho das Lajes.
Esta carta foi enviada e publicada no Correio Braziliense em 21 de dezembro de 2009.
Senhor Redator,

"Como promotor voluntário da preservação ambiental da região em que se produziu o desastre ambiental sobre o Ribeirão Engenho das Lajes, deixando cinco mil moradores sem água, desejo complementar as informações da reportagem do Correio Brasiliense (17.12.2009). Os habitantes da Agrovila Engenho das Lajes há muitos anos vem solicitando aos sucessivos governos uma passarela simples para evitar atropelamentos na BR 060 que corta o vilarejo ao meio. Em vez da passarela, de saneamento básico e de asfaltamento das ruas do Engenho das Lajes, muito menos caros, para espanto da comunidade, começou-se a construir um monstruoso e injustificável viaduto.Os custos dos crimes ambientais também entram na conta do PIB?"

domingo, 27 de dezembro de 2009

ORÇAMENTO BARRIGUDO

A chefe da delegação brasileira para a COP15, composta de 720 convidados, avisou aos países ricos que “sem dinheiro não sai acordo”. O ponto importante não era a disposição de refrear o uso indiscriminado de equipamentos requeridos pelo crescimento econômico com a finalidade de diminuir a emissão de gases de efeito estufa, ou CO2. O olho da ministra e, provavelmente, de grande parte dos países pobres e emergentes – todos pertencentes ao capitalismo de mercado ou de Estado − estava no volume de dinheiro ao alcance da mão. Qualquer soma acima do milhão, a experiência e os fatos atestam, foge ao controle e vaza entre as mãos e vestimentas dos executores.
O forte argumento das discussões de âmbito internacional é que o maior poluidor são sempre os outros, os países ricos. Estados Unidos em primeiro lugar. Os países pobres se põem na posição de garis obrigados por profissão a limpar a sujeira produzida pela displicência dos ricos.
Estamos diante de um dilema: os ricos sujam porque têm dinheiro, os pobres sujam porque não têm. Os ricos têm dinheiro para sujar. Os pobres não têm dinheiro para limpar. Ambos, ricos e pobres, dizem que não podem parar de sujar.
Os legisladores brasileiros acabaram de aprovar um gordo orçamento na casa do trilhão de reais para gastar em 2010.
O conjunto automotriz – indústria e comércio − investirá bilhões para produzir CO2. Quantos bilhões para limpar a atmosfera?
A aviação nacional e internacional − empresários e passageiros − espalhará bilhões para sujar a atmosfera. Quantos para limpá-la?
Os desmatadores da Amazônia e do Cerrado enterrarão bilhões para dizimar biomas e reduzir a biodiversidade. Quantos bilhões serão desembolsados para tirar essas regiões do coma induzido?
A indústria imobiliária arrasará bosques, secará mananciais, desertificará amplas regiões, roubará espaços necessários ao movimento dos fenômenos naturais, causará inundações nas cidades. Quantos bilhões creditará à limpeza?
O governo estimula obras bilionárias que facilitam a emissão de CO2 de forma irracional e descontrolada. Quantos bilhões realmente aplicará para limpar a sujeira produzida?
Os bancos oficiais e privados lucrarão bilhões para incentivar o consumo predador e muitas vezes desnecessário, anestesiando a consciência ecológica e ambiental de milhões de clientes. Quantos bilhões, além da publicidade das boas intenções, se dirigem a limpar a sujeira provocada?
A população que se expande é incentivada pelos governos, pelos donos da economia e pela mídia a gastar bilhões. Reduzem-se impostos, abrem-se as carteiras de crédito, diminuem-se os juros, alargam-se os prazos, distribui-se dinheiro aos que não podem ou não sabem produzir. Fecha-se, assim, o ciclo da irracionalidade ecológica. Consumir mais para produzir mais, rumo ao infinito. Produzimos lixo a custo alto e reclamamos da falta de dinheiro para varrer os detritos e entulhos que deixamos pelo caminho.
A lista é longa e enfadonha pelo fato de não se produzir sem sujar. Quem, em todas as esferas da economia e do governo pensa seriamente na aplicação de seus trilhões? Nem o Presidente, nem seus ministros, nem os legisladores acordaram para a (ir)responsabilidade política de estímulo à sujeita ambiental acumulada. Nem pensaram que antes de exigir dinheiro suplementar alheio para perder-se em maracutaias e mensalões é preciso usar a prata da casa em ações que possam sujar cada vez menos. O custo da limpeza será, então, muito menor.

EUFORIA GERAL

Economistas, sociólogos, jornalistas, adesistas de várias categorias, repetidores de índices e indicadores, analistas políticos, investidores do comércio varejista e da indústria automotriz e eletrônica preveem para 2010 perspectivas otimistas de bem estar econômico.
Daqui de minha janela, vejo o Brasil separado em dois blocos. Um, com ricos, mais ricos, riquíssimos. Para estes, qualquer situação que se apresente, em 2010, lhes será favorável. Encherão restaurantes, bares, shoppings, aviões, carros luxuosos. Outro, com famintos, miseráveis, pobres, menos pobres, consumidores de eletrônica barata e quinquilharias chinesas e os quase ricos, endividados em créditos perpétuos de prestações geradas por cartões de fidelidade.
A desigualdade entre os dois blocos é observada e medida pelo critério do mais que nada. Trata-se de diminuir a desigualdade intrínseca dos subgrupos. O faminto de hoje se iguala ao menos faminto de amanhã. Nada a ver com o rico de hoje e o mais rico de amanhã.
As comparações entre os avanços do quase rico endividado são mais alentadoras para o otimismo geral. Os menos pobres usam celular com o mesmo sinal do riquíssimo. A tecnologia do fim iguala a todos, separados pela tecnologia dos meios. Os brasileiros usam 170 milhões de celulares com ou sem necessidade.
Em alguns setores é possível diminuir a desigualdade de acesso a serviços. É inimaginável levantar uma torre de repetição para uma elite privilegiada nem estender uma linha de trem só para famintos. Onde a desigualdade aparece entre riquíssimos e quase ricos é na escola, na aprendizagem, na amplitude dos conhecimentos, na compreensão do universo, nas relações de convivência, nos privilégios e na discriminação.
É lento o processo de desaceleração da desigualdade nos serviços de saúde, de habitação, de lazer, de trabalho criativo. Por isso, é mais fácil ser otimista analisando-se a economia em números grossos, apelando para os milhões, bilhões, trilhões. A aritmética rasteira não consegue seguir essas cifras, mas elas produzem euforia e otimismo generalizado saídos da geladeira, do celular, do computador e do carro zero. São esses alguns dos méritos do Bolsa Família que diminui o número de famintos e miseráveis, alivia as tensões dos menos pobres sem afetar a velocidade de enriquecimento dos mais ricos.
É evidente que não se constroi uma sociedade igualitária apenas eliminando a fome e apaziguando a consciência coletiva com o mais que nada. É necessário perguntar-se por que um país dito celeiro do mundo comporta 60 milhões de pessoas com fome? Caminhando pelas ruas, viajando em trens, visitando museus em países que, há mais de duzentos anos, se ocupam e preocupam com os direitos concretos de seus cidadãos, é quase impossível distinguir pela vestimenta, pelas atitudes e expressão lingüística a que classe social pertencem as pessoas. A informação essencial, o conhecimento básico plural, as atitudes sociais e relacionais indicam uma linha constante de igualdade e independência, de soberania individual sem a subserviência do dominado político.
Aqui, onde a sociedade demora no estágio da fome, da pobreza e dos rendimentos infra-humanos do trabalho quase escravo vê-se, de um lance, quem é miserável, pobre, quase rico pela via artificial das dívidas e quem pertence à pequena camada de ricos sem falar dos riquíssimos.
Não se denunciam pobres apenas pela vestimenta e pelo andar, Sua desigualdade é compacta e precede a pessoa que a afeta. Sua atitude de submissão, de defesa, de imploração, seu olhar vazio, sua amargura crônica, seu linguajar, sua ignorância básica e atávica, envolta em superstições danosas e insuperáveis o denunciam. A desigualdade tem que ser superada por cima, não por baixo. Não é aproximando o miserável do pobre ou o pobre do menos pobre que se supera a desigualdade. É pondo barreiras éticas por cima, sem medo de ferir a livre iniciativa ou o enriquecimento sem limites.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

A SEREIA DE COPENHAGUE - I -

Não vi nem ouvi, durante os 15 dias da COP15, notícias da quantidade de emissões de CO2 descarregada na atmosfera pela multidão concentrada em Copenhague. Não sou especialista em aquecimento climático nem estatístico de emissões de gases-estufa. Apenas um curioso ouvinte dos sábios e anjos que baixaram aos pés da Sereia.
O vaivém das discussões, o alarme dos que fogem do naufrágio de suas ilhas e terras, o choro dos governantes de países cronicamente pobres, economicamente emergentes, mentalmente subdesenvolvidos e a teimosia dos donos de economias dominantes criaram o ambiente de confusão, de perplexidade e do fracasso das negociações.
No interior do magnífico salão Bella Center, negociou-se o preço do clima e barganhou-se o grau de aquecimento do planeta. Perderam-se na definição e fixação de números e percentuais para expressar o poder dos que não pretendem atacar as causas do desastre ecológico e ambiental em curso e, ao mesmo tempo, as veleidades dos que desejam e batalham para entrar no clube dos grandes poluidores do planeta, devastadores da natureza e carrascos da humanidade.
Os atores invisíveis da COP15 orientaram, dominaram e pressionaram os visíveis − quase duas centenas de governantes de países ricos e pobres. Todos os governantes, sem exceção, e seus negociadores mantinham um olho nos objetivos estabelecidos pelos organizadores e outro nos financiadores do evento, donos da multifária economia mundial: da indústria, do comércio e de bancos.
Esse dúbio comportamento gerou a impressão lamentável de que uns não podiam ou não queriam decepcionar outros. A tática escolhida foi a guerra de números e metas. Uns com base no passado inamovível, outros, no futuro volátil e incerto. Os países ricos que exauriram a natureza com altos índices de emissões destrutivas, estimulados pela doutrina insensata do crescimento infinito e do consumismo obsessivo como indicador de “qualidade de vida”, não pretendem sacrificar seu ritmo de expansão e de enriquecimento para continuar ditando ordens ao mundo.
Os paises pobres são astuciosos. Arrancaram aplausos culpando os ricos pelos erros do passado e pelas ações desastrosas do presente. Salvo exceções, pouco divulgadas, os países ditos emergentes, fingem querer, mas sem compromissos sérios nem atos concretos, de promover de forma diferente o uso das riquezas naturais. Os governos dos países pobres aprenderam a ornar seus programas de crescimento econômico, copiados aos dos países ricos, com o termo “sustentabilidade” por determinação do Banco Mundial. Sustentável significa ampliar a capacidade per capita de consumo para cima e para os lados, incentivando a indústria, derramando créditos e dívidas, aliviando taxas e impostos. A população incauta é incentivada a caminhar na direção do luxo enquanto outros já estão no patamar do superluxo.
As medidas tomadas e executadas para deter a crise que se abateu sobre o crescimento econômico infinito não se destinam a diminuir sua velocidade e avanço. São contraditórias a tudo o que se proclamou nos discursos emocionados e pontuados de bravatas de alguns líderes mundiais.
Em resumo, o que se ouviu é que todos querem chegar ao mesmo ponto com números diferentes: os ricos não pretendem ser menos ricos e os pobres não querem barreiras que os impeçam de alcançar o mesmo estágio dos ricos com os mesmos meios e as mesmas catástrofes. Não se percebeu quais os argumentos que orientaram a vasta delegação brasileira de 720 convidados porque o princípio da discussão democrática foi abolido no Brasil. Há centenas de vozes esparsas, mas o condutor é incessível. Alguém decide, no círculo restrito de seu gabinete, e vem cá fora, com cara de mágico, nos encher de intermináveis e esdrúxulas explicações, tirando coelhos do chapéu ou espetando caixões vazios.
O que temos, no Brasil, é um processo autoritário e fascista de informação que atende aos interesses do grupo de economistas e políticos que domina o núcleo central das decisões. Os noticiários centram sua ênfase nas taxas de juros do Banco Central, não nas dos bancos oficiais e privados; na gangorra irritante das bolsas do país e do mundo; nos índices de consumo do varejo e sua consequência na indústria de eletrodomésticos, indústria automotriz e indústria imobiliária. Um astucioso acompanhamento estatístico gera indicadores favoráveis e otimistas para esconder a verdadeira realidade da economia fora da pequena área.
O reles, o comum, o secundário, o menos importante para nossos governantes, em escala ascendente – municipal, estadual e federal − é a devastação sistemática e implacável da natureza.
Na Amazônia já derrubamos o suficiente com a ajuda incontrolada dos grandes grupos da bovinocultura, da soja, do cacau e do café, da mineração e das hidrelétricas. Damo-nos, agora, o luxo de cometer bravatas com números altos, pois já alcançamos o topo da destruição. Contentamo-nos com a preservação de 50% da floresta, isto é, continuaremos a dizimá-la a uma velocidade condizente com a leniência das ordens oficiais e personalizadas.
A Mata Atlântica é uma reminiscência de floresta cercada de desertos rurais e urbanos por todos os lados. O Pampa está coberto de soja e inundado pelas águas da chuva que não encontram mais os antigos bosques. O Nordeste, há tempos, saiu dos programas de recuperação racional e se dessedenta com cisternas caseiras e o imprevisível efeito da transposição do Rio São Francisco. O Cerrado, no vasto Planalto Central, invadido por hordas migratórias e populações sem rumo, está sendo pisoteado pela bovinocultura, pela soja e pela cana do etanol, pela urbanização desertificadora, pondo em risco o berço de nossas águas e o verde de nossas florestas.

A SEREIA DE COPENHAGUE II

Se a humanidade não desenvolveu tecnologia eficiente e adequada para deter o processo natural de aquecimento do planeta e estimulado pela ação humana discutido em Copenhague, sem acordo de números e metas, é possível atuar em muitas outras frentes com medidas simples e inteligentes.
A humanidade vem se adaptando e resistindo às modificações climáticas há milênios. Parece que entramos na era do secamento, aquecimento e desertificação do planeta e, ao mesmo tempo, de inundações surpreendentes e fora de controle. A era das contradições climáticas do ponto de vista da prática cotidiana. A destruição da Amazônia, do Cerrado, da Mata Atlântica, do Nordeste, do Pampa foi causada pela mão explícita do homem. Se tem a ver com o derretimento das geleiras é o que a ciência investiga e indícios fortes levam a concluir que a pegada ecológica da humanidade avança perigosamente. Mas o que não permite dúvidas é a ação humana devastadora na exploração das riquezas naturais para abastecer e garantir a sobrevivência de quase 7 bilhões de pessoas, sem contar os bilhões de animais e outros seres vivos que integram distintos rebanhos e florestas a serviço do homem.
Se a tecnologia que temos, sem falar na falta de vontade política adormecida para assegurar a sobrevivência da biodiversidade em condições inclementes, não se revela suficiente para evitar ou deter o aquecimento do planeta, a razão do homem pode, pelo menos, perceber que as inundações e a desertificação nos campos e nas cidades são obra de sua mão.
Que foi fazer em Copenhague nossa delegação de 720 negociadores? Não se propunha a COP15 diminuir as emissões de CO2? Os números apresentados não visavam a isso? Como acreditar que esses números não escondam uma sutil hipocrisia e não passem de uma quixotesca aventura contra moinhos de vento?
Não foi aqui, no Brasil, que se estimulou a venda e a compra de automóveis de tecnologia suja com isenção de impostos, créditos fartos, baratos e estendidos?
Não foi aqui, no Brasil, que o Presidente da República se empenhou pessoalmente como marqueteiro do consumo insano para salvar as indústrias e os bancos, adiantando salários, devolvendo antecipadamente impostos com sacrifício do Tesouro Nacional?
Não é aqui, no Brasil, que, há um ano, as jazidas do pré-sal para farta queima de óleo fóssil e poluidor está na ordem do dia?
Não é aqui, no Brasil, que a devastação da natureza e desertificação rural e urbana submergem milhares de cidadãos em centenas de cidades, entre elas São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro?
Não se pode esperar que propostas venham de Copenhague para salvar nossa insensatez na perseguição do crescimento econômico voraz e insaciável, baseado no consumo compulsivo, insensatamente estimulado. Nas se pode esperar de nenhuma parte nem na aguardada descida de anjos se o Ministério do Meio Ambiente, o IBAMA, O IBRAM de Brasília e todas as secretarias de meio ambiente dos estados não forem capazes de propor à discussão democrática nacional um sistema simples e moderno de educação ecológica e ambiental.
Começaríamos por apoiar dezenas de escolas que timidamente, sem os recursos bilionários prometidos em Copenhague, estimulam seus alunos a amar e respeitar plantas e animais e a proteger nossas águas. Eliminaríamos o espetáculo degradante e humilhante de jogar lixo tóxico ao longo das rodovias, nas ruas e praças de nossas cidades. Veríamos eliminados os estragos que as inundações anuais e recorrentes trazem a milhares de famílias se restituíssemos às margens dos rios suas antigas florestas. Empregaríamos a inteligência da água para captá-la no período chuvoso nas matas de cabeceira, com a reflorestação das nascentes.
E passaríamos a discutir o modelo de crescimento econômico predatório que nos é imposto e substituí-lo gradativamente por uma administração da riqueza natural sem desperdícios, sem a obsessão do consumo insaciável, na medida em que todos possam desfrutar do conforto material.
As mudanças necessárias na ação humana capazes de construir um mundo diferente, mesmo que as transformações climáticas façam parte de ciclos e de eras cósmicas, foram sussurradas pela Sereia de Copenhague, mas os governantes de 192 países taparam os ouvidos.
Voltaram todos para seus países a cuidar das taxas de juros, da derrama do crédito, das bolsas de valores, da cotação do dólar, dos índices de inflação, das metas do PIB, embalados por programas de aceleração do crescimento econômico infinito e insustentável.
Nossa representação visível, em Copenhague, parece que não sabia do que estava falando. Ou então, engoliremos a contragosto a bomba que a chefe de nossa missão ecológica, empregando a tática de experta guerrilheira, jogou de surpresa sobre as 192 nações estupefatas: “O meio ambiente é, sem dúvida, uma ameaça ao desenvolvimento sustentável do mundo e do Brasil”.
Não há bravata de oferta de bilhões de dólares brasileiros aos ricos e aos pobres que oculte o fracasso de nossos esforços mentais para compreendermos uma verdade singela: não é o planeta que precisa de nós. Nós é que precisamos dele.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

A REAL E PRESIDENCIAL SOCIOLOGIA

O Presidente da República é legítimo representante da cultura popular iletrada, do linguajar rural espontâneo, periférico, entre o curral, a casa de tolerância e o boteco à beira da estrada.
Expressa singular desprezo pela leitura e pelos modos educados de falar às pessoas, cidadãos do país. Ele conclui, em sua filosofia realista, que a maioria dos cidadãos só compreende a linguagem dos estábulos, da marafonagem, do bêbado excitado ou do valentão de rua.
Minha diarista pouco lê e menos escreve, porque no Maranhão, onde nasceu, não havia escolas há vinte anos. O tempo comeu sua oportunidade infantil de estudar. Comunica-se aos pedaços, mutila palavras, come terminações e esses, mas nunca usa palavras chulas que se dizem em rodas menores pela força da raiva, da intimidade, do hábito ou da cachaça.
Nunca precisei usá-las para que ela entendesse ou percebesse alguma circunstância desafortunada no serviço da casa ou nas relações humanas. Nem mesmo ao falar do comportamento público do Presidente me ocorreu defini-lo e a seus comparsas de governo com palavras que ele brindou ao povo do Maranhão. Creio que os termos corrupto, mentiroso, hipócrita definem suficientemente o comportamento de grande parte dos homens públicos que governam o país na hora atual. Asco e repulsa são sentimentos inevitáveis diante da atuação desses atores.
Um presidente pode ser popular, querido, respeitado sem ser grosseiro, falastrão, burlesco, desmedido, quixotesco, dado a bravatas.
A febre, o delírio do poder avilta o cérebro, embota a percepção, transforma a fantasia em realidade e eleva a demência ao trono de verdade inquestionável e única.

O SAPATEIRO DA RUA 13

Para chegar ao quarto alugado, na rua 13, número 26, passava pela porta sempre aberta da sapataria do senhor Berti. Um cheiro de cola e couro inundava o metro quadrado de calçada. Respirava aquele odor com nostalgia de coisas antigas, quase no limite do desaparecimento. Olhava discretamente para dentro. Um corredor de alguns metros, um balcão desalinhado, crivado de furos produzidos por pregos e tachas, uma lâmpada focando a banca onde o velho sapateiro sentava para os reparos em sapatos, sandálias e botas. Ao passar diante da porta, vez por outra, coincidia ouvir marteladas que certamente enterravam tachas e pregos nos tacos dos calçados em reparo.
Bolsista do governo francês, estudante com orçamento apertado, quilômetros a pé, metrô quando estritamente necessário para atravessar Paris, minha única botina pedia reparos para viver mais uma temporada. Tinha 32 anos, solteiro, educado na escola antimatrimonial cujos princípios começavam a ruir. Pouco tempo depois, abandonei aquelas aulas.
Entrei na sapataria do Berti. Bom papo. Bonachão. Depois de várias visitas e longas conversas, soube que havia passado dos sessenta. Olhava-me com uma ponta de inveja paternal, disposto a me dar conselhos. Achava-me um pouco mais jovem do que de fato era. Seu sotaque puxava ao italiano e, na intimidade conquistada, migrávamos do francês para nosso idioma de origem.
Berti, em sua longa vida matrimonial, viúvo havia dois anos, acumulou sabedoria prática e um variado estoque de conselhos. Iluminou-se com ocasião de orientar minha inexperiência de solteiro e escolheu duas recomendações que constituíam, segundo ele, a base de um casamento estável e, possivelmente, feliz.
− Sexo e conversa, afirmou Berti, convencido, sério e balançando a cabeça afirmativamente.
Abriu levemente os braços à italiana, apertou os lábios para cima e me olhou com um sorriso de anjo de Rafael.
− E a mesa?
Perguntei pensando na macarronada dominical do casal.
− Comer, sem sexo e conversa, engorda.
Na segunda-feira, voltei à sapataria. Berti embrulhou minhas botinas em folhas do Le Figaro dominical. Não cobrou pelo reparo e lembrou-me o sábio conselho para usá-lo no futuro:
− Sexo e conversa.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

DIVAGAÇÕES SOBRE A MERDA

Depois de oito anos de governo, a nova elite política, saída da esquerda socialista, percebeu que o povo está na merda.
Por que o boquirroto da presidência do maior país da América Latina percebeu, no Maranhão, que o povo está na merda?
Por que no Maranhão, terra dos Saneys? E o José Sarney não sabia da merda que cobria a cidade de São Luis na chegada do visitante? E de quem seria aquela merda toda? Por que a família Sarney quis receber o grande chefe com merda explicita?
Lá, encontrou-se com Roseana Sarney. Dilma estava ao lado dela e dele, na janela do chiqueiro governamental, coberto de azulejos. Com intenso desejo de vomitar, sussurrou ao ouvido do chefe:
− Sinto cheiro de merda, presidente. Será que ela pisou nos excrementos que eu vi no elevador?
− Tem cloaca por aqui, completou o chefe, em voz alta e alegre gargalhada. Mas estou vendo é merda mesmo lá embaixo.
− É o povo dela, disse a dama de peruca.
− E o que é que essa gente está fazendo na merda? Quem é que pôs essa merda toda ali?
− Eles vieram te receber e aplaudir. Não esqueça que você tem 83% de aprovação. Essa gente está acostumada a pisar na merda que nem sente mais o cheiro.
− Não é possível tanta merda junta. Eu sempre ouvi dizer que este país é uma merda e que nunca se fez tanta merda neste país como no nosso governo.
Roseana, a governadora da merda, ficou calada.
− Dilma, minha querida, você está linda com essa peruca cor de fogo. O Maranhão está uma grande merda. Eu quero tirar o povo da merda em que ele se encontra. Onde é que vamos pôr essa merda?

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

ACENDEDOR DE ESTRELAS

No curto tempo de uma existência, o mais sábio é edificar, na medida do possível, um paraíso terrestre e desfrutar dele.
A natureza é bela por toda a parte.
As árvores me esperam com danças de suas ramadas, todas as manhãs, em frente à janela de meu esconderijo.
As flores que suportaram pacientemente a escuridão da noite me alegram ao romper do dia.
O sabiá e o bem-te-vi me despertam com desinibida sinfonia.
A chuva mansa, molhando tudo, rega também as raízes da esperança no mais profundo da alma.
O raio e o trovão se esparramam pelo espaço infinito, derramando luz e sons e assustando as estrelas por trás das nuvens carrancudas.
Ele queria ser um acendedor de estrelas para enfeitar certas noites tenebrosamente escuras e desesperantes.
Acenderia uma a uma, dependuraria sobre a curva do horizonte, no topo da nuvem passageira, em cima da vaga grossa do mar, no pico do rochedo.
Ele queria recolher as lágrimas do choro de todas as saudades e de todas as felicidades que a humanidade registrou para dessedentar-se.
É preciso... é preciso, dizia, delatar os sorrisos ocultos, revelar a palavra que se escondeu na arca do pensamento, manifestar o desejo secreto do beijo e do abraço.
Tocar é preciso essas músicas caladas nas partituras e abrir os pianos, dedilhar as harpas, fazer vibrar os arcos tesos de amores secretos.
A vida é o único alimento da vida.
Não há outra vida a não ser a vida.
É preciso... é preciso juntar as vidas, ouvir estrelas e flores, plantas e pássaros e os vagidos dos nascimentos tímidos.
Ele queria que o fio da vida unisse todos os caminhantes como o acendedor de estrelas as junta de noite no firmamento a piscar os olhos e a seduzir as almas ao gozo da existência.
É uma só a vida, curta e efêmera, devorando-se lentamente, apagando-se ao nascer de um novo dia.
Outras noites, outras noites hão de vir, iluminadas pelas mesmas estrelas.
Ele andou pela vida acendendo estrelas.
É preciso sair à noite para vê-las.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

PRESENTE SEM PASSADO

A melhor e a mais eficaz arma protetora da psique brasileira é a capacidade inata e bem cultivada de esquecer os acontecimentos do dia anterior.
É com esta astúcia do esquecimento que se resolve facilmente qualquer dificuldade no presente. O passado é morto. O ontem não mais existe.
As águas levaram os móveis e a casa. Há de se começar tudo de novo. Brutal realismo. E quase sempre no mesmo lugar e da mesma forma. O presente é o imediato, o agora. Há que se acreditar logo, sem olhar para trás. Muito menos para frente. O futuro é hoje. Seu peso é o dia a dia. Chora-se e ri-se hoje. As lágrimas ou o prazer de ontem fugiram da alma e dão lugar a outras tristezas e possíveis alegrias.
Decepções e esperanças nascem e morrem num giro diário do sol. Carpe diem. Um dia é suficiente para chorar as mágoas e gozar das malícias e astúcias. A noite varre em silêncio e na escuridão a história da alma.
É com esta arma do esquecimento que os políticos contam. Eles também suprimem o passado e trazem para o hoje novas esperanças, ambições, desejos e tentações que cabem no presente. Nem o poder político nem o povo brasileiro gastam mais de um dia do ano para administrar túmulos. E se for preciso chorar o passado, as lágrimas serão no presente, com outro sabor, com lembranças difusas e até com a sagaz mentira dos sentimentos que dão ao hoje o que faltou ao ontem.
E o passado surge como enorme e fantástica mentira. As pessoas não disseram o que afirmaram e não realizaram o que fizeram. Desaparecem nomes e fatos. Despem-se da importância que se lhes dava e apequenam-se diante da grandeza da mentira presente. Tudo pode ser dito e feito de outra maneira para que apareça no presente como fato novo, revestido de esperança sob a qual se esconde a mentira em forma de verdade incontestável.

EXCLUSÃO EXCLUSIVA

Economistas, sociólogos e, principalmente, políticos profissionais, apesar dos múltiplos programas e pacotes propostos, sabem que eliminar as desigualdades sociais no regime capitalista é utopia. Cada analista justifica e dá boas razões para esse fracasso anunciado. Convencionou-se adotar a estratégia, continuada ao infinito, de contentar-se com a gradativa e lenta diminuição da desigualdade. A estatística é chamada a comprovar sua redução à medida que grupos dessa população desigual adquiram geladeira, celular, máquina de lavar, TV, o que supõe dinheiro ou crédito bancário.
Os economistas conhecem bem essa tática de enriquecimento por meio de dívidas permanentes. Psicólogos e médicos acodem pelo outro lado, acalmando ansiedades, frustrações, úlceras e dores de cabeça, quando não suicídios.
A desigualdade é combatida em consonância à inclusão social. São dois termos casados e de difícil definição. Igualdade não é exatamente o oposto de desigualdade. Por serem desiguais, dois objetos ou duas pessoas podem não ser contraditórios. Por outro lado, nem todos querem ser incluídos num quadro de igualdade pintado por sociólogos ou políticos.
Ultimamente, o conceito de desigualdade e exclusão vem sendo fomentado de modo especial pela indústria imobiliária com técnicas e métodos de propaganda e publicidade visual ilusionista.
Os ricos propõem como alvo da grandeza social e da felicidade pessoal a desigualdade e a exclusão. Os bairros residenciais oferecidos aos que têm dinheiro e crédito farto são exclusivos para seus moradores, nada semelhantes aos bairros da periferia nos quais entra e sai quem quer. “As vias que levam ao bairro residencial exclusivo possuem estrutura comercial de conveniência, o que facilita ainda mais a vida dos moradores”.
É, portanto, um bairro sustentável, isto é, seus habitantes têm dinheiro suficiente para sustentá-lo e garantir sua exclusão do resto da cidade. Essa premeditada e conquistada exclusão é protegida por portarias de segurança com controle de acesso. Um excluído se submete a identificar-se a um funcionário que não mora no bairro de máxima segurança. “O perímetro é fechado com sensores contra invasões, reforçados por ronda motorizada 24 horas, além das câmaras de segurança”. A liberdade de ir e vir é assegurada e bisbilhotada por olheiros atentos e pagos para garantir a total exclusão.
Nossa sociedade, não capturada pelas estatísticas, baseia-se na desigualdade e defende a exclusão, confinando seus adeptos em campos de concentração de serviços e facilidades, privilégio de que só gozam os que se sentem excluídos do comum dos mortais e, em consequência, orgulhosamente desiguais.
A desigualdade concebida por sociólogos, economistas, políticos profissionais, e medida por estatísticos, está confinada na comparação entre miseráveis e pobres, entre mais pobres e menos pobres, entre os famintos e os que, hoje, podem comprar carne e biscoito recheado. A distância entre os que se excluem voluntariamente da sociedade e os condenados à exclusão pela força do regime capitalista de distribuição de oportunidades, mede-se em quilômetros facilmente vencidos por velozes carros individuais.
Logo mais, a desigualdade será medida entre os que não têm e os que podem ter um panetone no Natal. O panetone natalino e pré-eleitoral será um dos ingredientes da inclusão social assegurada pelos meios tradicionais da bem urdida corrupção moral e pecuniária, despudoradamente imprescindível para o funcionamento da máquina política e administrativa das empresas, das cidades, dos estados e da República.

VELHACARIA E ASTÚCIA

Estupefatos, no primeiro momento, diante de imagens de pacotes de dinheiro saídos do nada, passando às mãos de servidores públicos e enfiados em bolsos, bolsas e meias, perguntam-se muitos cidadãos como é possível que isto se repita de forma descarada.
Já ia longe e esquecido o mensalão petista, o peessedebista, as maletas entupidas de dólares e os maços de reais escondidos na cueca de um deputado. É de se lembrar que alguns desses personagens, outrora, pertenceram a grupos revolucionários, dispostos a implantar um regime socialista ético e democrático. Eles chegaram ao poder e revelaram-se hábeis comediantes de circo.
Funciona, neste país grande, rico e atrasado, uma escola aberta onde se aprende e se ensina astúcia, artimanha, dissimulação, hipocrisia, malícia, manha, trapaça, velhacaria. Essa rede de conhecimentos práticos da vida cotidiana sustenta nossa organização social, construída ao longo de cinco séculos. Não é apenas com a apropriação do dinheiro público. No trânsito, nas escolas, nas universidades, nos edifícios residenciais, no trato com a natureza, na invasão de terras públicas as artimanhas encontram justificativas legais, jurídicas, políticas e administrativas.
A adaptação a esses comportamentos se faz tão naturalmente que já não se percebe a gravidade das violações às leis que foram promulgadas com a certeza de que não impediriam as manhas do cidadão. Os exemplos oferecidos exibem o contrário proposto na lei.
Dessa escola leniente e mole derivam os gingados da capoeira, o samba sarcástico do carnaval de rua, a pizza de finas ervas e, hoje, o panetone. O escândalo diante de um espetáculo de pacotes de dinheiro enfiado em meias, em bolsos, bolsas e cuecas tem o mesmo efeito de um gol da seleção brasileira ou de um bolo na cara de um palhaço de circo.
A realidade da velhacaria praticada por graduados servidores da nação brasileira é tão espalhafatosa e cínica que se torna inacreditável. Por isso, as imagens são mostradas centenas de vezes para se acreditar na sagacidade e na esperteza habilidosa dos comediantes públicos. Tão inacreditável que o primeiro mandatário do Brasil, ausente do grande circo, afirmou com a mesma argúcia do prestidigitador que “as imagens não falam por si”. Frase sibelina que remete aos arúspices romanos.
As lições diárias e intensas dessa escola aberta à população incauta têm a virtude de não ferir a ética profunda do cidadão. Ele toma a leviandade e a mentira como atitudes normais. A dignidade moral foi soterrada sob o princípio egocêntrico do tirar proveito e vantagem de qualquer situação. A informação que chega ao cidadão escorre pela superfície. Nossas escolas ensinam a ler, não ensinam a pensar. De cada cem possíveis leitores, apenas seis leem jornais. Os outros noventa e quatro os usam para fazer pacotes. Os milhões que assistem à TV riem dos palhaços e desligam o aparelho ao término da exibição.
Os comediantes públicos, impunes e orgulhosos de suas trapaças, contentes com o riso anônimo, armam novamente o circo na praça, pintam o rosto, divertem a plateia e convidam os eleitores a aplaudi-los. E eles os aplaudem.
Em 2010, eles voltarão com a mesma peça na certeza de que ninguém se lembra de tê-la visto. A nossa organização social circense nutre o político comediante, o servidor corrupto, o cidadão passivo e o eleitor manhoso movido pelo impulso do riso cordial e agradecido diante da pizza ou do panetone.